O zagueiro que matou o irmão. Coluna Mário Marinho
O zagueiro que matou o irmão
Neném Traíra era um beque (naquela época não se dizia zagueiro), de barriga avantajada, que defendia com galhardia o time do Parque Riachuelo, do bairro Parque Riachuelo, na periferia da Zona Norte de Belo Horizonte.
A história se passa na década de 50.
Eu era um garotinho levado pelas mãos firmes e carinhosas do meu pai, Paulo Marinho, para assistir aos jogos de domingo no campo do Parque.
Foi lá que tomei conhecimento da terrível história.
Neném Traíra chutava com muita força e sempre de bico – tanto a bola quanto os adversários.
Certo dia, um pênalti a favor de seu time, lá foi ele. O goleiro adversário era simplesmente irmão do Neném Traíra.
Neném foi até lá e pediu que ele saísse do gol.
– Sai daí, Você pode morrer.
Ao que o irmão respondeu estoica e heroicamente:
– Morro, mas morro cumprindo o meu dever.
Neném Traíra tomou distância e meteu aquele bico que todos conheciam. O goleiro, seu irmão, agarrou firme a bola e caiu de joelhos.
Admirado, mas orgulhoso do feito do irmão, foi até lá cumprimentá-lo e quando tocou em seu ombro, ele caiu: estava morto.
Eu garotinho, via o Neném em campo, chutando, correndo, brigando, gritando, comemorando, sorrindo e ficava imaginando: como é que pode? Ele matou o irmão!
Aquela história me acompanhou durante muito tempo.
Mas o tempo, o mais sábio dos sábios, se encarregou de transformar o sofrimento do garoto numa vaga lembrança em algum lugar do coração.
Anos mais tarde, já morando em São Paulo, jornalista do Jornal da Tarde, ouvi o jornalista Fernando Mitre, hoje diretor de jornalismo da tevê Bandeirantes, contando a mesma história. Só que os personagens tinham outro nome e o fato se deu em Oliveira, Minas Gerais, sua cidade natal.
Há poucos dias, ouvi o também mineiro Milton Neves contar a mesmíssima história, com outros personagens, e o fato teria ocorrido em Muzambinho, onde nasceu.
São as chamadas lendas urbanas.
Mas, sei que durante muito tempo o Neném Traíra me fascinou, me encantou e, ao mesmo tempo, me provocava espanto.
Coisas de criança.
Ah!, o Traíra do apelido do meu ídolo, não tem nada a ver com o significado que se dá hoje ao termo. Traíra, principalmente entre os boleiros, significa traidor, dedo duro.
Neném era Traíra apenas por que gosta de pescar esse saudável peixe de água doce.
O primeiro palavrão
Pois foi assistindo a jogos do Parque Riachuelo que falei meu primeiro palavrão.
O time do Parque tinha um goleiro espetacular. Magro, alto, dono de muita agilidade era verdadeira muralha. Seu nome: Cueca. Claro, era apelido. Nunca soube o seu nome.
Meu pai, que na juventude fora goleiro (assim com o Márcio, meu irmão mais velho e eu também) gostava de ficar atrás do gol. E se maravilhava com as defesa do Cueca, sempre muito aplaudido.
E eu ouvia alguns torcedores ao meu lado dizer após cada defesa: “O Cueca é foda!”, “Esse Cueca é foda!”
Pois quanto acabou o jogo, subindo a rua Madureira levado pelas mãos de meu pai, comentei, na simplicidade dos meus seis anos:
– Papai, esse Cueca é foda, né?
Meu pai, que não admitia qualquer tipo de palavrão em casa, deu um sorriso largo, quase uma gargalhada:
– Olha, isso que você falou é palavrão, nunca mais fale essa palavra.
Palavra de pai naquela época era como deveria ser a lei hoje: cumpra-se.
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- Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
A COLUNA MÁRIO MARINHO É PUBLICADA TODAS AS SEGUNDAS E QUINTAS AQUI NO CHUMBO GORDO.
… e sempre que tiver alguma novidade extra!
Marinho: esta história do Neném Traíra eu também ouvi, menino, em Belo Horizonte. Não me lembro mais o nome do personagem e nem de onde ela se passara. Mas a história é a mesma que você conta, até nos detalhes.
Pois, é Wanderley, como eu digo na coluna, a história permaneceu na minha cabeça durante muitos anos, até que eu vi que se trtava de um lenda urbana. Boa lenda, não?
bacana, Mario, agora colunista….As histórias são aquelas do seu livro, sempre envolvendo o papai!!!! Legal.
bjos.
M. Helena
beijo