Na ratoeira
Por Alexandre Schwartsman*
…quanto mais extenso for o período de convergência, tanto maior será o peso dado à inflação passada na formação de expectativas, ou seja, mais indexada se torna a economia…
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 20 de janeiro de 2016
Uma crítica comum à aplicação do regime de metas para a inflação no Brasil refere-se à “insistência no ano-calendário”, isto é, à necessidade de atingir a meta no final de um ano, ao invés de se concentrar em períodos mais longos, faltando-lhe “paciência”. Sempre que vejo este comentário me ponho a pensar: em que planeta vive quem afirma tal atrocidade?
Não é sequer necessário lembrar que o BC não entrega a inflação na meta desde 2009; basta notar que há cerca de um ano o BC prometeu convergência para o final de 2016, prazo devidamente prorrogado para 2017. Ano-calendário onde, cara-pálida?
Isto dito, elevar o prazo de convergência da inflação à meta não é necessariamente errado, mas, se há benefícios nesta estratégia, há também custos, e a decisão requer que ambos sejam considerados, postura que geralmente escapa ao pessoal do espaço sideral.
Digamos, por exemplo, que, dado um desvio muito significativo da inflação, o BC decida esticar o período de convergência de um ano para três. Para facilitar, suponhamos que a inflação inicial seja 9%, a meta 3%, e que o BC decida reduzir a inflação em 2% a cada ano. Assim, o objetivo no primeiro ano seria 7%, caindo para 5% no segundo e, finalmente, 3%.
Mantendo as coisas simples, vamos também supor que as expectativas de inflação se adequem a esta trajetória. Assim, a expectativa para o primeiro ano seria o equivalente a 2/3 da inflação passada (6%) e 1/3 da meta (1%), isto é, 7%.
Já se o BC decidisse por um período de convergência de seis anos (1% por ano), ainda supondo credibilidade, as expectativas seriam 5/6 da inflação passada (7,5%) e 1/6 da meta (0,5%), isto é, 8%.
Assim, quanto mais extenso for o período de convergência, tanto maior será o peso dado à inflação passada na formação de expectativas, ou seja, mais indexada se torna a economia.
Concretamente, este processo deve ser uma das razões (senão a principal) para a resistência crescente da inflação à queda. Quanto mais os reajustes de salários e preços se baseiam na inflação passada, mais persistente se torna a inflação e mais custosa, do ponto de vista de desemprego e queda do produto, passa a ser sua redução.
…Incapaz, portanto, de se comprometer com a queda rápida da inflação, só resta ao BC seguir com a estratégia gradualista. Isto torna o combate mais difícil hoje do que era no passado e será ainda mais complicado quanto mais demorarmos em tratá-lo…
Isto coloca o BC frente a um dilema. Caso tente reverter o processo, optando pela convergência mais rápida, terá que pagar um custo, em termos de atividade econômica, maior do que pagaria se mantivesse a estratégia de queda lenta da inflação, a menos que consiga convencer a todos que, como a convergência será rápida, não seria mais necessário reajustar preços e salários com base na inflação passada.
Por outro lado, agentes sabem que o BC, dado seu passado, se preocupa com os custos da desinflação e estaria propenso, de forma oportunista, a estender o período de convergência mesmo se todos passassem a crer que a inflação cairia rapidamente.
Neste caso, simplesmente não acreditariam em promessas de convergência rápida e seguiriam reajustando preços e salários com base na inflação passada.
Incapaz, portanto, de se comprometer com a queda rápida da inflação, só resta ao BC seguir com a estratégia gradualista. Isto torna o combate mais difícil hoje do que era no passado e será ainda mais complicado quanto mais demorarmos em tratá-lo.
O BC se colocou na ratoeira e não faz ideia de como escapar dela.
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• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
E-MAIL: ALEXANDRE.SCHWARTSMAN@HOTMAIL.COM