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Prejuízos, além…Se nos limitarmos aos importantes aspectos comerciais, deixaremos de ver grande parte das dificuldades que o presidente dos EUA traz ao mundo…

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(ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O ESTADO DE S. PAULO, 
E NO SITE DO AUTOR,www.gabeira.com.br,
EDIÇÃO DE  25 DE ABRIL DE 2025)

Desde que Trump anunciou suas tarifas, o debate central é sobre as perdas do Brasil. Perdas na exportação de aço e alumínio, em potencial.

É natural que o debate siga esse curso, o comércio mundial está em vias de regredir e isto implica empobrecimento e desemprego.

No entanto, não se pode reduzir o impacto da ascensão de Trump a uma queda no comércio internacional. As perdas são de uma dimensão maior e mais profunda.

Não contabilizamos ainda o grande impacto na política ambiental do planeta. A saída dos EUA do Acordo de Paris, firmado em 2015, tira da mesa de negociação um dos atores principais e arrisca a levar alguns coadjuvantes, como a Argentina e El Salvador.

E não se trata apenas de um retrocesso nos esforços mundiais, mas também de uma regressão na política interna, desde a sede por petróleo contida no slogan drill, baby, drill, a detalhes como a volta dos canudinhos de plástico, tudo na esteira da anulação das normas e desmontagem dos órgãos de controle.

As perdas são de toda a humanidade, mas afetam especialmente o Brasil. Desde seu primeiro discurso no exterior, Lula afirmou em Sharm El-Sheikh que o Brasil iria assumir sua responsabilidade no combate às mudanças climáticas, reduzindo desmatamento e queimadas.

Nesse impulso de recuperar a importância na política ambiental, perdida no período Bolsonaro, o Brasil decidiu abrigar a COP-30, que será realizada em Belém.

Só em termos de investimentos para organizar o evento, o País gastará em torno de R$ 5 bilhões.

O problema é que ele acontecerá num clima de baixas expectativas.

Os EUA não devem participar. O nível de emissões continua alto, assim como a perda da superfície gelada da Antártica, segundo o National Snow Data Center. O aumento de temperatura já é de 1,5°C, meta prevista para 2030 pelo Acordo de Paris.

Os recursos para ajudar países pobres a mitigar os efeitos e se adaptar ao aquecimento global já não fluíam. Será orçado em mais de US$ 1 trilhão o valor desse esforço. Como conseguir o dinheiro sem os EUA e com a Europa voltada para reforçar sua capacidade militar, precisamente pela resistência de Trump à Otan?

Na vida dos brasileiros, as coisas também pioram. Milhares de imigrantes já estão expatriados e muitos deles voltam para cá, tendo de reiniciar a vida. O turismo ficou mais áspero. Há quem tema entrar com sua agenda telefônica nos EUA. Existe uma tendência de repressão às grandes universidades americanas. Há cerca de 1 milhão de estudantes estrangeiros no país, inclusive brasileiros.

Alguns que participam de movimentos pró-Palestina foram expulsos. De todas as partes do mundo, estudantes são enviados para os EUA por causa da qualidade do ensino e da atmosfera de livre circulação de ideias.

Se a expressão de ideias é de certa forma punida, qual a vantagem de se deslocar para os EUA? Censura e medo existem em muitos países e, em certos casos, os alunos são mandados para o exterior para se beneficiarem de uma livre troca de ideias.

Há uma outra dimensão na qual o cotidiano das pessoas também é afetado. Duas deputadas brasileiras solicitaram visto para os EUA. São mulheres trans e o visto no passaporte as classifica como do gênero masculino.

Os EUA, a partir de Trump, têm uma visão clara de reconhecer apenas o gênero masculino ou feminino. É uma decisão presidencial com o apoio dos seus eleitores. Embora não se concorde, o direito de definir essa questão internamente é irretocável.

No entanto, os passaportes emitidos pelo Brasil refletem a legislação brasileira e deveriam ser respeitados tal como foram impressos. É voluntarismo querer definir uma política de gênero para toda a humanidade. Os processos de escolha são feitos em cada país e devem ser respeitados.

Em síntese, se nos limitarmos aos importantes aspectos comerciais, deixaremos de ver grande parte das dificuldades que Trump traz ao mundo.

O enfraquecimento do universo científico americano terá influência geral. A retração da política humanitária, como mostrei no artigo anterior no Estadão (O dedo de Trump no mapa da fome, 11/4), produz mortes, porque os EUA eram responsáveis por um terço da ajuda mundial contra a fome.

Estamos apenas nos primeiros meses do segundo governo Trump. Ele já fala em reeleição e alguns de seus apoiadores mencionam a necessidade de ultrapassar a democracia.

Possivelmente é um projeto autoritário, que pode ser chamado de não liberal ou qualquer outro nome.

Mark Lilla, numa entrevista para o Estadão, afirmou que a alma americana está doente. É tarefa urgente determinar os contornos dessa “doença” e encontrar os meios de deter a marcha autoritária, seja pela ação popular, resistência dos intelectuais ou mesmo da própria justiça americana.

O mundo pode colaborar discretamente. Os chineses já contestaram a visão de que são camponeses que lucram com os EUA. Os latino-americanos certamente não aceitarão que seu espaço seja definido como quintal dos EUA. Desde a posse de Trump, o mundo corre atrás do prejuízo.


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