TRUMP RELIGIOSO

TRUMP,  RELIGIOSO? Ele e Bolsonaro perceberam que a proximidade com os evangélicos seria maior se transformassem suas profecias em política de governo.

TRUMP RELIGIOSO

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR, 
www.gabeira.com.br,21 DE ABRIL DE 2025

‘Agora todos querem beijar minha bunda.’ A frase atribuída a Trump, depois da decretação do tarifaço, não me surpreende. Sua biografia revela um homem mundano, circulando nas altas rodas de Nova York. O que pode surpreender um pouco é como ele, e também Jair Bolsonaro, pode ser tão admirado pelos evangélicos, que os veem como predestinados a governá-los. Uma das grandes decisões de Trump foi transferir a embaixada americana para Jerusalém, algo que estava também nos planos de Bolsonaro.

Creio que ambos perceberam que a proximidade com os evangélicos seria maior se transformassem suas profecias em política de governo. Os evangélicos acreditam na volta de Cristo, desde que sejam preenchidas algumas condições, certos eventos previstos na Bíblia. O retorno dos judeus à Terra Prometida, a reconstrução do templo em Jerusalém, conflitos envolvendo nações contra Israel e a existência de um governo mundial anticristo.

Algumas dessas profecias foram elaboradas no século XIX por teólogos como John Nelson Darby. São interpretações que leem textos proféticos como previsões e eventos históricos que estão por vir. Essa concepção, conhecida entre os evangélicos como Bíblia Scofield, previa que, antes da volta de Cristo, os crentes serão levados ao céu (arrebatamento da igreja), um período de tribulação global, e a volta de Cristo para reinar a partir de Jerusalém.

Portanto um dos passos importantes para Trump foi precisamente fundir sua política com as profecias, como se estivesse deliberadamente abrindo caminho para a volta de Cristo. Interessante como um homem de negócios, materialista e frequentador das altas rodas nova-iorquinas, passa a defender essas teses e se volta furiosamente contra gays e pessoas trans.

Mark Lilla — cujo livro sobre a primeira vitória de Trump já mencionei aqui — concedeu uma entrevista recentemente afirmando que a alma americana está doente. Mas será necessário um estudo mais profundo. A alma alemã também estava doente na ascensão do nazismo. Judeus, homossexuais e ciganos eram os bodes expiatórios. Agora são os estrangeiros.

Uma grande pressão pré-tarifaço foi feita para que Canadá, México e China detivessem a entrada de fentanil, droga que ameaça o país. A Alemanha se posicionava contra inimigos, mas os Estados Unidos de hoje estão preocupados com a própria decomposição interna. O inimigo, nesse caso, está dentro das pessoas. A Alemanha tinha um projeto de futuro em busca de espaço vital. Trump se volta para a conquista da Groenlândia, talvez do Canadá, mas seu foco mesmo é a volta aos bons tempos em que a indústria era forte na América.

Será preciso um grande trabalho de pesquisa para definir essa “doença” na alma americana. É algo inédito, específico desse estágio do capitalismo e do avanço tecnológico. Uma tarefa gigantesca. Aqui do Sul, podemos contribuir apenas lembrando como Trump e seus auxiliares diretos se referem a nós. Quando decretou o tarifaço, Trump disse que os países sul-americanos não tinham nenhuma importância, pois os Estados Unidos não precisam deles. Semanas depois, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, afirmou que a América Latina é um quintal dos Estados Unidos que precisa ser liberado da influência chinesa.

Depois de tantos anos de intercâmbio, com forte presença latina nos Estados Unidos, inclusive no universo artístico, ainda nos olham de cima para baixo. Aliás, como olham os chineses. O vice-presidente J.D. Vance declarou numa entrevista:

— Nós pegamos dinheiro emprestado de camponeses chineses para comprar as coisas que esses camponeses chineses fabricam.

São olhares típicos do período colonial, que, embora deem impressão de superioridade, podem ser resultado de insegurança. Como dizia nosso poeta Cazuza, suas ideias não correspondem aos fatos. É o mínimo com que podemos contribuir para o diagnóstico da “alma” americana.

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