Poderemos falar do que no táxi? Só de hortaliças?
Por Ricardo Kotscho
…Antes da internet, para espalhar um boato bastava contar uma história bem absurda ao motorista de táxi, que ele logo a comentaria com outros passageiros e, no final do dia, virava assunto nos bares...
Publicado originalmente no Blog Balaio, de Ricardo Kotscho, post de 19 de janeiro de 2015 - http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/
Ainda outro dia, num papo com colegas na lanchonete da empresa, combinamos de não falar de política nem de futebol, assuntos que ultimamente podem dar indigestão. Vamos falar do que, então?, alguém perguntou. De mulheres, claro, respondeu o outro. “Mulher, não, porque mulher dá problema…”, cortou o terceiro. Sugeri que neste caso falássemos do preço das hortaliças, um tema menos polêmico.
Alguém da Secretaria Municipal de Transportes deve ter ouvido a nossa conversa e resolveu baixar novas regras de conduta para os taxistas paulistanos. Entre elas, a proibição de falar de política, religião ou futebol. Logo vai aparecer algum blogueiro para denunciar que isso é censura para evitar críticas ao prefeito, um dos assuntos prediletos dos taxistas em todos os tempos. A partir desta semana, porém, quem desobedecer a ordem vai pagar multa de R$ 32,52. Dá para acreditar? Qual foi o gênio que calculou este valor, com centavos e tudo?
Como passageiro, até achei bom, porque já não aguentava mais ouvir tantas abobrinhas sobre política reproduzidas de programas de rádio ou do Fla-Flu da internet, como se fossem expressões absolutas da verdade.
“Isso é conversa de motorista de táxi”, eu replicava quando alguém vinha me contar, nos mínimos detalhes, que Tancredo Neves sofreu um atentado na véspera da posse e as balas atingiram a repórter Glória Maria, ou que o avião de Eduardo Campos foi derrubado, ou que o filho do Lula é o maior latifundiário do país, ou que o Corinthians comprou o juiz.
…mas eu me pergunto: o que o poder público tem a ver com as conversas de cidadãos privados dentro de um carro?…
Antes da internet, para espalhar um boato bastava contar uma história bem absurda ao motorista de táxi, que ele logo a comentaria com outros passageiros e, no final do dia, virava assunto nos bares.
Também acho que já estava na hora de se colocar um pouco de ordem nesta barafunda em que se transformou o nosso serviço de táxis, legais ou clandestinos, mas eu me pergunto: o que o poder público tem a ver com as conversas de cidadãos privados dentro de um carro?
Mais ridícula ainda é a parte que trata da indumentária a ser adotada pelos motoristas, estabelecida pelos agentes do Departamento de Transportes Públicos. Chegam ao requinte de definir o que é um “jeans com corte social”: bolsos “em faca” na frente e embutidos atrás. Que beleeeeza, como diria o Milton Leite.
Em lugar de aumentar a fiscalização para evitar que taxistas sem nenhuma condição de dirigir circulem pela cidade com carros em péssimas condições, agora querem impor moda. Outro dia peguei um táxi na rua em que não dava para saber o que estava fedendo mais, se o carro ou o motorista, e o gajo não sabia nem onde ficava a Avenida Paulista.
Falar palavrão agora também vai dar multa. Aí já é demais.
Quem é que consegue dirigir um dia inteiro no caótico trânsito de São Paulo sem xingar ninguém?
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