história de esquina

História de esquina. Por Antonio Contente

História…ficou conhecido naquele bairro dos velhos tempos por um motivo, digamos assim, meio chato: falavam, e à boca não muito pequena, que apanhava da mulher. Eu, no fundo no fundo talvez até acreditasse na fofoca…

história de esquina

         Na realidade ele ficou conhecido naquele bairro dos velhos tempos por um motivo, digamos assim, meio chato: falavam, e à boca não muito pequena, que apanhava da mulher. Eu, no fundo no fundo talvez até acreditasse na fofoca, só que gostava do cara. Quantas vezes, nos fins de tarde no barzinho da esquina que era também padaria, sentávamos para serrar umas cervejas. Ele olhava no entorno e dizia que não poderia morar em nenhum outro lugar deste mundo que não fosse ali.

         — E você, vai ficar aqui para sempre? – De vez em quando me perguntava.

         Todas as vezes respondi que, francamente, não sabia.

         Foi numa quinta-feira, uma calma quinta-feira sem nada de especial além do balançar dos galhos da sibipirunas e do pipilar dos pardais. Sentou na minha mesa e logo percebi que havia algo. Ofereci um copo da breja e ele rosnou:

         — Isso não, quero algo mais forte.

         — Cachaça? – Apontei para as garrafas expostas atrás do balcão.

         — Não, um “Fogo Paulista”!

          Em coisa de segundos, ele já derrubara três, dando toda a pinta de quem queria confessar, se abrir. Resolvo facilitar o diálogo:

         — Algum problema?

         — Hum, hum… – Ele geme.

         — Bom – aponto para o copo – é que se você continua a derrubar esses troços aí com essa velocidade, não sei não…

         Ele pega a nova dose e ergue. Após vacilar, baixa.

         — Sabe? – Me encara – Há um problema sim.

         — Se eu puder ajudar…

         — Minha mulher! – Solta, de um jorro.

         — Ela está doente? – Tento ganhar tempo.

         — Não me diga que você não sabe? – A observação sai rascante.

         — Que ela está doente?

         — Não, que me bate.

         Como, às vezes, consigo ser quase tão bom ator quanto o falecido Paulo Autran, faço a maior cara de surpresa:

         — Mas a dona Jacyrene? Te bate?

         — Bate sim – ele confirma – e todo mundo aqui no bairro sabe.

         — Francamente, nem todo mundo, pois estou ouvindo isso pela primeira vez. E ainda bem que pela tua própria boca.

         — Como assim?

         — É que se algum estranho viesse me contar um troço desses em tom de fuxico, dava-lhe uma esculhambação!

         Súbito o camarada segura, com força, no meu braço, para garantir:

         — Mas hoje isso tudo vai acabar.

         — Não me diga que você…

         — Não, não vou revidar. Sou daqueles que acham que em mulher não se bate nem com uma flor. Vou apenas resolver o problema.

         — Posso saber como?

         — Hoje à noite jantarei normalmente. Quando ela estiver assistindo a novela das nove sairei para comprar cigarros.

         Como ele fez pausa, me vi obrigado a observar:

         — Na verdade não estou sacando.

         — Sacando o que?

         — Como você resolverá o problema assim, apenas dizendo à sua mulher que vai sair para comprar esse troço que dá câncer?

         — Acontece – os olhos dele brilhavam – que sairei para comprar esse troço que dá câncer e não voltarei mais.

         — Tudo bem – admito – isso talvez seja muito bom e até tem certa originalidade.

         Logo depois nos separamos, só que a história ficou na minha cabeça. E tanto, e de tal forma, que me admirei, no dia seguinte, de encontrar nosso personagem no mesmo bar/padaria da esquina, esperando a fornada das cinco da tarde. Abri os braços:

         — Você por aqui?

         — Pois é – ele rosna – furou.

         — Com assim? O que furou?

         — No que eu ia sair ontem à noite, conforme te disse, a Jacyrene perguntou onde eu ia, e respondi que desceria para comprar cigarros.

         — E não deu certo por que?

         — É que ela não apenas me lembrou que eu deixara de fumar já fazia séculos, como ainda me obrigou a ir à esquina comprar dois maços para ela, que continua a fumar como uma chaminé. E assim que cheguei, ainda levei uma baita surra. Mas você quer saber mesmo da maior?

         — Claro que quero – me ajeitei na cadeira.

         — Eu não ia, mesmo, conseguir desaparecer. Pois, na verdade, com porrada ou sem porrada, sou alucinado, doidinho pela minha mulher…

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

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