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Memórias de uma selva eletrônica. Por Maranhão Viegas

Memórias… Eu e aquela máquina nos afeiçoamos à primeira vista. Com ele, parti para o Acre, onde faria uma campanha de governo. Quatro meses coordenando uma legião de “estrangeiros urbanos” enfiados no meio da selva amazônica…

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Os anos 90 do século passado seguiam já na sua segunda metade.

Foi quando a necessidade de escrever mais rápido, com mais autonomia e em qualquer lugar tornou o uso da caneta e do papel obsoletos e me induziu para o computador portátil.

O meu primeiro notebook pesava quase 8 quilos. Mas o peso era nada diante daquela joia rara. Eu o comprei de um amigo, que havia voltado dos Estados Unidos e o trouxera como investimento. Era um computador usado, mas para mim isso pouco importava. Era o meu primeiro e era um avanço fabuloso na minha carreira de jornalista.

Eu e aquela máquina nos afeiçoamos à primeira vista.

Com ele, parti para o Acre, onde faria uma campanha de governo. Quatro meses coordenando uma legião de “estrangeiros urbanos” enfiados no meio da selva amazônica.

Além dos roteiros de programas da campanha, o computador me ajudou a dar vazão a uma espécie de poesia selvagem.

Rios, bichos, botos, flores e frutos que só conheci ali permeavam os escritos que agora saiam da minha mente para o teclado e depois tomavam forma na tela.

Uma maravilha capaz de aplacar a imensa solidão que aqueles meses na floresta me impingiam.

Numa noite farta de desassossego e melancolia escrevi até quase o dia nascer. Descuidei da hora. Descuidei do tempo. De tudo.  E depois de tudo, desfaleci de sono quando a noite já tinha cedido espaço para o dia.

Acordei com batidas insistentes na porta do meu quarto: Cadê o roteiro? O candidato está esperando pra gravar!

Quando compreendi a urgência, percebi que não teria como acompanhar a gravação. Orientei, meio zonzo, o local onde o arquivo seria encontrado no computador. E o alcancei para quem veio buscar o roteiro. Eu não sabia, mas aquela foi a nossa última aventura.

Não passou pela minha cabeça ter que orientar sobre o cuidado de não ligar o equipamento que funcionava a uma corrente de 110 volts em uma tomada 220.

Aquela longa madrugada solitária de poesia e embriaguez foi a última vez que funcionamos juntos, o computador e eu.

Depois desse dia, ele passou a ser uma lembrança saudosa em minha trajetória profissional.

Alguns dos versos que fiz com a ajuda dele se salvaram graças às mensagens enviadas por correio eletrônico.

A descrição do balé dos botos, na boca do Rio Moa, ao cair da tarde; o trânsito de voadeiras pelo Rio Acre; as marcas indeléveis do império de Galvez; os campos alagados de Cruzeiro do Sul; a farinha com sabor de coco; o abacaxi gigante e doce de Tarauacá… estão todos salvos na nuvem da minha existência.

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Lançamento do Livro "Cápsulas de Oxigênio" em Campo Grande - Maranhão Viegas

Inorbel Maranhão Viégasescritor,  jornalista e poeta, vive em Brasília. Autor de, entre outros, “Cápsulas de Oxigênio”

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