FITINHA AZUL

Com linda fitinha azul. Por Antonio Contente

FITINHA…Ela sempre dizia adorar minhas cartas. Tinha todas, devidamente guardadas em dois pacotinhos devidamente atados com fitinhas azuis…

FITINHA

         Ele começou me contando que sempre gostou de escrever. Garantiu que, na primeira juventude, no Rio Grande do Sul, compunha poemas. De preferência sonetos, copiosos, inumeráveis, oceânicos. Na continuação, optou pela prosa. Morando numa cidade do próspero interior gaúcho, não muito longe de Porto Alegre, recebeu e aceitou convite para colaborar no jornal local.

         — Só com o que publiquei naqueles tempos – recordou – daria para montar um livro.

         — Bem – vacilei – você está me contando isso por que mesmo?

         — Sabe? – Ele me encara – Te conto isso porque estou, simplesmente, arrasado.

         — Teria – arrisco – acabado a tua inspiração?

         — Não, pior, muito pior. É que ao chegar em casa, há dias, tive um choque.

         — Um choque? Elétrico?

         — Mais do que elétrico. Quase fui ao colapso ao dar de cara com algo terrível.

         — Puxa, por favor, abra logo o jogo…

         — Ao chegar em casa vi, na lata de lixo colocada na área de serviço, as cartas.

         — Cartas? Que cartas?

         — As cartas d’amor. Todas as cartas de amor que escrevi para a minha mulher no passado. E com um detalhe chocante.

         — Qual? – Arregalo os olhos.

         — Os dois pacotes com as missivas se encontravam amarrados com fitinhas azuis.

         — Mas eram tuas cartas mesmo? Você tem certeza?

         — Claro, puxa vida, eu não sou louco. E, ao constatar aquilo, experimentei sensação muito pior do que levar um murro no peito.

         — Olha – me torno solidário – na verdade é mesmo um troço chato.

         — Pois é… Então, eu pensei no óbvio. Concluí que minha esposa arranjara um amante.

         — Bom… Mas só porque ela jogou as cartas fora?

         — Claro. E sabe por que? Ela sempre dizia adorar minhas cartas. Tinha todas, devidamente guardadas em dois pacotinhos devidamente atados com fitinhas azuis.

         — Sim – ajeito os óculos – mas não acho que você teve razão de concluir, de cara, que tua mulher estava saindo do sério só por ter feito o descarte da correspondência.

         — Mas que descarte? — Ele se agita – Ela não descartou. Atirou no lixo, o que é muito diferente!

         — Muito bem, é chato, eu sei, é chato. Mas também concluir, a partir disso, que ela arranjou um amante…

         — OK, OK… Só que foi no que pensei. E entrei em parafuso.

         — Como em parafuso?

         — Queria colocar as cartas na mesa com a minha mulher.

         — As cartas que foram pro lixo?

         — Francamente, parece que você não está entendendo nada! Colocar as cartas na mesa é uma forma de expressão. Queria colocar tudo em pratos limpos. Entendeu agora?

         — Sim, claro, entendi.

         — Pois é, passei a aguardar o momento certo. Até que um dia…

         — O que você fez?

         — Pra criar coragem, resolvi beber.

         — E bebeu?

 — Bebi. Chegando em casa, à noite, fui direto ao assunto.

         — Não fez um preâmbulo?

         — Nada de preâmbulo. Enfiei o dedo indicador no peito dela e cobrei. Garanti saber de tudo.

         — Ela, naturalmente, tomou um baita susto, né?

         — Claro. E eu berrava na base do “você não devia ter feito isso comigo”. Daí…

         — Daí o que? Pelo amor de Deus, não faça suspense, fale logo.

         — Daí que minha mulher resolveu falar. Para garantir que não tinha coisa nenhuma de amante. Contestei dizendo que possuía provas.

         — E possuía?

         — Naturalmente. Ou você acha que as minhas cartas d’amor que ela colocou no lixo não eram a mais contundente de todas as provas? Tanto que grunhi: “Se você teve a coragem de fazer isso, é que arranjou outro”. Foi a minha desgraça, cara.

         — Desgraça?

         — Sim, desgraça. Sabes o que a Mituca respondeu? Falou assim: “Olha, Louzada, apesar de tudo sempre fui fiel a você. Quanto às benditas cartas, tasquei no lixo porque não ia guardar pro resto da minha vida tanta besteira”.

         — Puxa… – Dou um gemido.

         — Pois é – ele termina – e eu descobri que a frustração literária é muito pior do que frustração do amor. Pra mim seria muito melhor que ela tivesse até mais de um amante. E nem precisava me considerar um Eça de Queiroz. Paulo Coelho já dava pro gasto…

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Antonio ContenteANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.

 

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