Xanha

Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha)

O amigo Xanha. Por José Paulo Cavalcanti Filho

O amigo Xanha…Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. O enorme poeta Marcelo Mário Melo recomenda (em Manifesto da esquerda vicejante) que “devemos lembrar nossos mortos, não pelas chagas de seus martírios, mas por seus jeitos de rir”

Xanha
Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha)

Lisboa. Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. O enorme poeta Marcelo Mário Melo recomenda (em Manifesto da esquerda vicejante) que “devemos lembrar nossos mortos, não pelas chagas de seus martírios, mas por seus jeitos de rir”. Assim seja. E conto agora uma história que fala nesse que partiu. Tem sua graça e vai estar no meu próximo livro (Conversas de ½ Minuto). Vamos a ela.

Na Ditadura 18 estudantes, que a combatiam, estavam presos e em greve de fome. Já 11 dias haviam se passado. Por cautela foram trazidos para o quartel da PM, no Derby, onde havia um hospital militar. Médicos informaram que, até 12 dias, não haveria problemas para a saúde. Entre 12 e 18, provavelmente. A partir daí, com certeza. Era preciso encerrar a greve, na proteção dos próprios presos.

Fomos negociar com eles. Airton Soares, velho amigo e líder do PT na Câmara dos Deputados (pouco depois, ele e Beth Mendes seriam expulsos do partido por terem votado em Tancredo), que veio de São Paulo só para isso. E eu, companheiro de tantos na universidade (e amigo próximo de alguns), representando a OAB.

Nosso argumento era que o protesto já tinha produzido seus resultados políticos, tanto que os jornais vinham dando a notícia com destaque. Seguir, ante os riscos para a saúde, não fazia sentido. Às dez da noite, alvíssaras, tudo certo. Fomos falar com o comandante da PM, ainda em seu gabinete e rezando para que tivéssemos sucesso. Ocorre que, encerrada essa greve, todos queriam jantar

– Comandante, por favor providencie.

– Claro.

Pediu para chamar o cozinheiro e um ajudante

– Doutor, o homem já foi pra casa.

– Veja o que tem na despensa.

– Está fechada, com cadeado, e quem tem a chave é ele. Só amanhã de manhã.

– Onde mora?

– Ninguém sabe.

Sugeri

– Comandante, por favor, vamos comprar ao menos um cacho de bananas.

– Nem pensar. Comida de fora? E se tiverem uma intoxicação?

– O senhor manda um ajudante conosco, providenciamos o dinheiro, ele mesmo escolhe e compra as bananas.

Nesse momento, um médico do quartel o chamou para conversar. E o comandante

– Perdão, senhores. Mas, antes de se alimentar, eles vão ter que fazer exames médicos e ser avaliados. Até para decidir o que podem ingerir.

– É desumano, comandante.

– Também acho. Mas, infelizmente, vai ter que ser.

E assim ocorreu. Voltaram a se alimentar só no outro dia, pela manhã. Chico de Assis (grande poeta) me confessou, mais tarde,

– Passar 11 dias, dentro de uma greve de fome, não teve nenhum problema. Só que do fim da noite e até a manhã seguinte, querendo comer, foi um verdadeiro suplício.

E Alberto Vinícius (Xanha), que estava do seu lado, confirmou

– A vontade que tive foi me suicidar.

No fim, como ensina o pai de Fernando Sabino, “tudo acabou bem”. E seguiu a vida, até agora, quando foi encontrar os seus. Saudades do amigo Xanha.

________________________________________________JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO

José Paulo Cavalcanti FilhoÉ advogado, escritor,  e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Ex-Ministro da Justiça. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, cadeira 39.

jp@jpc.com.br

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