
Recorrendo às minhocas. Por Aylê-Salassié Filgueiras Quintão
Minhocas…Só mesmo uma imaginação fértil para projetar ficção similar. Nem mesmo com a ajuda de ervas, insetos e minhocas…
A picanha já era… Esgotou-se nas pilantragens do discurso populista, e deve ser enterrada, em definitivo, na viagem presidencial ao Japão, cuja finalidade, entre outras, está a de amenizar as restrições às exportações de carne bovina do Brasil. Por enquanto, é vendida para a China, para os árabes e para a Europa. A JBS, nosso grande produtor e manipulador, está com problemas na Justiça dos Estados Unidos. Sobrou para o ovo.
Ele inspira novas narrativas: a de que “o Brasil produz 59 bilhões de ovos” e que “o brasileiro come, em média, 269 ovos por ano” . Vêm cercadas de uma retórica mitificada e analogias populares, acompanhadas, numa linguagem cifrada, de ameaças aos produtores. Busca-se recompor a credibilidade eleitoral do Governo, que vem caindo gradualmente. Em um mês, a ”caixa de ovos passou de R$140,00 para R$ 210,00″ e a cesta básica aumentou em 4,4%. Os preços dos alimentos dispararam sem controle nesse início de ano.
Mas os governantes estão convencidos de que “os pobres ainda ganham acima da inflação da comida”, segundo informações aparentemente saídas da Fundação Getúlio Vargas. Recorrendo à “Revolução dos Bichos”, de George Orwell (1945), nos aviários e terreiros, até as galinhas já reclamam da quantidade da ração vitaminada e calcificada: estão mais caras e racionadas. Para compensar, os produtores liberaram as aves no campo para colherem , complementarmente, ervas , insetos e minhocas .
Na ausência do Presidente, em mais uma viagem para o exterior, o vice-presidente se enrola com a supressão temporária das tarifas fiscais cobradas sobre 11 produtos alimentícios importados, entre eles, a carne desossada de bovino, 10,08% (não é todo mundo que sabe o que é carne desossada). A sardinha, vinda do exterior, também teve sua tarifa de 32% suprimida; as bolachas, 16,32%; as massas, 14,4%; o milho, o café o açúcar, o azeite de oliva e o óleo de girassol também. São os absurdos tributários desconhecidos da população de um dos maiores países agrícolas do mundo (4º. lugar), maior produtor mundial de café e açúcar, além de uma costa pesqueira de mais de 9 mil quilômetros por 200 milhas de mar territorial e recursos hídricos abundantes internamente.
Numa semana em que o Projeto de Lei Orçamentária para 2025 ainda é votado no Congresso, tem-se a ideia de que parece haver um planejamento capenga para o processo de desenvolvimento econômico brasileiro, sobretudo na área da agricultura, cuja governança se baseia em políticas vacilantes e medidas pontuais fragmentadas, financiadas, em grande parte, por emendas parlamentares.
A estimativa de produção de 325,3 milhões de toneladas de grãos (R$1,3 trilhão), para a safra 2024-25, é de que haverá um aumento de 8% em relação à safra anterior. Vem a dúvida: não seria uma queda de 6,7%”? conforme mostram órgãos do próprio Governo. O PIB cresceu 3,4 %, ou não chegou a 3%? Diante de abordagens políticas levianas, as estatísticas flutuam ao sabor das ondas. Mesmo assim, espera-se um aumento de 2,4% sobre os resultados de 2024. “A 2ª safra de grãos será recorde”, alardeia-se. Da tal “entresafra’, que justifica o aumento dos preços, pelo desaparecimento dos produtos, ninguém se lembra agora. Só no inverno. A Companhia Nacional de Abastecimento – Conab – projeta para a 2ª. safra do período o plantio de 16,76% da área agricultável, e um crescimento de 1,9% na produção. Assim, retoricamente trabalhado, projetam-se aumentos de 6,5% na produção de arroz – os preços do arroz estão subindo vertiginosamente; de 1,5% do feijão e outros.
Enquanto isso, na área da política partidária, insiste-se em espalhar o ódio, com promessas, compromissos vazios e mentiras mesmo, retaliando as oposições. O desemprego e a violência se dissemina pelo interior, com assassinatos de trabalhadores e índios. Para dar cobertura a esse cenário, aparelha-se o Estado inclusive no Judiciário e na área de segurança – com a tal força nacional de intervenção. Desviam-se as atenções sobre os problemas reais, provocando novas agendas sociais e abrindo, dois anos antes, uma discussão sobre eleições, sob o manto de uma polarização política. Talvez para dar tempo ao Judiciário de deglutir as inelegibilidades de candidatos com possibilidade de competir e até vencer o pleito de 2026.
As projeções estatísticas vem atrás para tentar convencer de que o PIB cresceu 3,4%, embora haja informações oficiosas de que ele não chegou a 3%, ou que o desemprego se espalha pelos estados. O comércio varejista teve uma queda de 0,1 % em janeiro, mas as fontes de dados, oficializadas, atestam que foi 3,1% mais alto que o mesmo mês do ano passado. Em quem confiar para planejar os investimentos? Há uma crise latente na configuração das estatísticas criando uma insegurança, desconfiança mesmo, provocada por esses discursos ornados com informações contraditórias, afetando inclusive a imagem de instituições tradicionais como o IBGE, FGV, Conab, Embrapa, Ipea, confraria hipotética da qual o Banco Central tenta ou tentou se esquivar .
Enquanto isso, o Governo digladia com o agronegócio, fruto de novas tecnologias aplicadas na produção e comercialização das commodities agrícolas. A reforma agrária, modelo de agricultura familiar responsável pelo abastecimento interno, não se sabe porque razão, vem sendo desqualificada de governo a governo, ainda em dúvida se o Movimento dos Trabalhadores sem Terra poderia substituir o sistema de produção agropecuário que aí está. Este mesmo que produz um resultado superavitário na balança comercial brasileira, com 47 por cento do total vendido no exterior. Só mesmo uma imaginação fértil para projetar ficção similar. Nem mesmo com a ajuda de ervas, insetos e minhocas.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Consultor de projetos sociais | Consultor da Catalytica Empreendimentos e Inovações Sociais. Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “AMERICANIDADE”, “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018