

PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO E NO SITE DO AUTOR, www.gabeira.com.br, 17 DE MARÇO DE 2025
Graças à divisão de trabalho doméstica, há muitos anos vou à feira uma vez por semana. Às vezes, comparo com as compras no exílio europeu. A manga era cara, era preciso ter um pequeno excedente para comprá-la. Agora, ao comprar manga no Brasil, constato que custa R$ 10 a unidade, percebo que os preços se aproximam.
Muita coisa mudou ao longo destas décadas no país, e, sinceramente, não acho correto culpar o governo. O sistema mundial de alimentação, com suas complexas cadeias de suprimento, não é fácil de domar, ainda mais por um só país, ainda que seja uma superpotência alimentar como o Brasil.
Lembro-me do nome de um restaurante onde comi algumas vezes no início do século: Food for Thought. Isso me estimula nos próximos meses a escrever alguns artigos e esquentar o tema nas eleições de 2026.
Na campanha de 2022, o tema esteve presente de alguma forma no discurso de Lula, que encaminhou uma aliança contra a fome, defendeu financiar a agricultura familiar e apresentou uma proposta popular de picanha para todos. Lula enfocou o consumo da carne pelo ângulo do prazer, associando-o a uma cervejinha. A verdade é que também é um tipo de proteína importante para a saúde.
Para produzir um quilo de carne, porém, é preciso também produzir dois quilos de grãos. O consumo universal da carne traria imenso problema de mais áreas aráveis, inclusive as hoje disputadas para a produção de biocombustível.
No momento, discutimos principalmente preços. Mas eles podem ser a face visível do problema. Antes de chegar a eles, é preciso também considerar três variáveis que impactam a produção: energia, clima e água.
Estamos ainda no início da transição energética. O petróleo tem ainda grande importância no transporte dos alimentos, na impulsão de máquinas e até mesmo nos fertilizantes. Seria importante discutir isso de uma perspectiva nacional, cobrar a rapidez da transição e buscar a autossuficiência em fertilizantes. A guerra na Ucrânia mostrou nossas lacunas. Temos potássio, e há uma produção interessante de fertilizantes naturais no sul de Minas.
As mudanças climáticas precisam ser abordadas com urgência. A safra do ano passado sofreu um baque por causa disso. É necessário preservar os rios voadores da Amazônia, combatendo queimadas e desmatamentos e, ao mesmo tempo, investir em pesquisas sobre a resistência das plantas ao calor.
A água é um elemento superdelicado. Alguns países deixam de produzir alimentos para não gastar seus recursos hídricos. A agricultura usa muita água. Mas não só ela. Quem visitar — como fiz algumas vezes — criações industriais de frango e carne de porco verá como consomem grandes quantidades de água. Na verdade, exportamos frangos e porcos, mas também milhões de litros de água de nossos rios, como o Uruguai.
Com uma transição energética lenta, intensas mudanças climáticas e crises hídricas em muitos pontos do planeta, não há muito espaço para alimentos baratos e abundantes.
Daqui para a frente, será preciso abordar alguns temas-chave, como segurança sanitária, e ir um pouco mais a fundo em certos dilemas. Um deles: há uma parte da humanidade com fome, outra mal alimentada, a julgar pela obesidade, diabetes, doenças cardíacas e alguns tipos de câncer. A produção industrial baixou preços, mas trouxe gastos em áreas que não são dela, como a saúde.
Nesse horizonte de crise, alimento para pensar não pode faltar em nossa cabeça.