sempre alerta

É incontrolável. Minha vida inteira precisei me manter sempre alerta, e acredito seriamente que ultimamente muitos de nós têm tido essa mesma sensação e atitude quase obrigatória para sobreviver, seja na selva de pedra, nos campos do Senhor, nas águas revoltas, onde for. Às vezes não adianta, mas pode ajudar a se salvar.

sempre alerta

O meu caso junta diversos fatores. Mais leve, o signo de Gêmeos, Mercúrio, asas nos pés, como característica. Segundo o IA do Google, entre outras, geminianos são curiosos e têm sede de conhecimento, além de adaptáveis e de conseguir se ajustar a diferentes situações. Mas outro fator é a profissão – jornalista – a qual me dedico há 46 anos, e isso contando só de quando me formei, já trabalhava bem antes. É preciso estar informada, antenada, ter curiosidade, estar pronta a reagir prontamente a qualquer eventualidade. Um estado de sentinela, de constante tensão e atenção. Fora a alma de repórter, digo alma, mas às vezes penso se não é quase um vício. Pode ser. Isso já me botou em situações que nem conto, são muitas, inclusive com risco de vida.

Mas, olhem só, vivo em São Paulo, e a coisa aqui não é que está brava, sempre esteve – parece apenas pior com a crise na segurança pública – de um lado, bandidagem; de outro, a polícia com sangue nos olhos. Hoje mesmo, dia em que escrevo, bem cedo acordei assustada com o barulho de muitos tiros. Fiquei ali pensando, não deve ser, tentando me aninhar e dormir de novo. Não demorou e o barulho de helicópteros sobrevoando a área tornou impossível continuar na caminha, para onde já tido ido um pouco mais tarde por conta de um “incêndio” a apagar, como chamamos quando algo exige atuação rápida.

Foi ligar a tevê e saber que mais um tiroteio depois de uma tentativa de assalto tinha ocorrido na avenida importante a pouco mais de um quarteirão de distância – ferindo uma pessoa que não tinha nada a ver com o caso, e que apenas caminhava por ali, a vice-consulesa da Colômbia, atingida no abdome por uma bala perdida. Um policial à paisana reagiu ao presenciar o assalto à passageira de um táxi, de quem tentavam roubar um celular, o terrível motivo de mortes e ocorrências absurdas que temos notícias. No mesmo local há menos de um mês até cheguei a filmar o final de outro tiroteio, ladrão morto no chão, sangue, policiais espumando. Isso porque moro numa área dita nobre. Imagino a periferia. Imagino também o dia a dia no Rio de Janeiro.

Não é por menos que andamos assustados. Qualquer som, barulho. Aproximação de uma moto. Cuidando de esconder pertences, e se escondendo fortuitamente em cantos para usar, atender o telefone. Difícil até ler algum Alerta Severo, que tem sido comum receber com todas essas loucuras climáticas.

Penso que as organizações criminosas montam exércitos de jovens, e que estes devem estar sendo obrigados, como em empresas, a cumprir metas. Sei lá, um número X de celulares para abastecer os comandos – e que se não os “coletarem” serão punidos de forma grave. Estranho, soube outro dia mesmo que muitas das crianças aqui da região diariamente vistas vendendo panos de prato também já são desde cedo obrigadas a cumprir uma meta e vender todos os da caixa que carregam – se não o fazem acabam espancadas pela família.

Mundo cão esse que desde cedo impõe tanta maldade.

Estar sempre alerta – como disse, é incontrolável – mas cansa muito, podem imaginar. Meu irmão fica bravo, briga comigo por conta das coisas que leio, vejo, acompanho, percebo – inclusive muitas sem qualquer importância, até admito. Como tem sido comum verificar e sofrer com mais uma casa derrubada para dar lugar a um prédio sempre horroroso, e enterrando parte da memória urbana, cada vez mais ação agressiva.

De qualquer forma, no meu caso, estar sempre alerta, como costumamos ouvir falar o Vigilante Rodoviário, Carlos Miranda, recentemente falecido, ao lado de seu pastor Lobo, série criada por Ary Fernandes e que acompanhou a infância de muitos, me salvou a vida algumas vezes.

Também me rendeu boas histórias. O problema é que é um estado mental que esgota, e para o qual deveríamos ter alguma alternativa, conseguirmos ao menos relaxar de vez em quando. E isso anda quase impossível,  tento explicar a um amigo querido que sempre me lembra da praia, do mar, que eu deveria mudar para lá ou tentar seguir a serenidade de minha gata. Ah, isso porque ele não viu o pulo que ela deu ao ouvir os tiros hoje pela manhã, correndo para se esconder debaixo dos meus lençóis!

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marli go

MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano, Coleção Cotidiano, Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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