
6 de março - Data especial para Pernambuco
Quem foi que inventou o Brasil? Por Meraldo Zisman
QUEM FOI QUE INVENTOU O BRASIL?
“… Foi seu Cabral, foi seu Cabral,
No dia 21 de abril,
Dois meses depois do Carnaval…”

O Brasil é uma terra onde a história se curva à folia e a memória se dissipa ao som dos tamborins. Celebra-se o descobridor, esquece-se dos que primeiro pisaram aqui. Louva-se Tiradentes, mas ignora-se que Pernambuco, muito antes, já tentava esboçar uma pátria livre. O país começa tarde porque aprende a recomeçar entre uma batucada e outra.
Em 2025, o atraso nacional encontrou um aliado improvável: o próprio calendário. O Carnaval, malandro, caiu em março e, como se a vida precisasse de mais um empurrão para não começar, Pernambuco trouxe ao palco sua Data Magna, celebrada em 6 de março.
Poucos fora das fronteiras do Estado sabem o que significa essa data. Em 1817, enquanto o resto do Brasil ainda se acomodava sob as sombras da monarquia, Pernambuco, rebelde e visionário, rompeu com a Coroa e ousou proclamar a República. Inspirados pelo Iluminismo, homens e mulheres pegaram em armas e governaram por 75 dias um pedaço deste país que só viria a se tornar independente, anos depois. Sonharam alto demais. Foram esmagados com chumbo, enforcados ou degredados, e a poeira da história tratou de varrê-los para o esquecimento.
O curioso é que a Inconfidência Mineira, abortada antes mesmo de sair do papel, se tornou lenda nacional. Tiradentes, que morreu sem ver a liberdade, virou mártir da pátria. Já os revolucionários pernambucanos, que de fato governaram e tentaram mudar o rumo do Brasil, foram relegados ao silêncio.
Mas há ironias ainda mais finas. Em 2025, a Data Magna de Pernambuco caiu numa quinta-feira, estendendo, como num ritual, o descanso pós-Carnaval. A sexta se fez de ponto facultativo, e Pernambuco só despertou na segunda-feira, 10 de março. O tempo, no Brasil, é elástico.
Lamartine Babo (1904 – 1963) já previa essa dança tropical em sua marchinha “História do Brasil”, lançada em 1934: Quem foi que inventou o Brasil? “Foi seu Cabral, foi seu Cabral, no dia 21 de abril, Dois meses depois do Carnaval.
No entanto, há um erro histórico na letra: Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500, e não em 21 de abril. O dia 21 de abril é, na verdade, a data da morte de Tiradentes, em 1792. Mas no Brasil, onde o tempo se molda à conveniência e à festa, esse detalhe pouco importa.
No fim das contas, o Brasil não se apressa. É um país que adia, mas nunca desiste. Dorme longo, mas desperta vibrante. Carrega em si essa leveza rebelde de quem esquece a história e, por isso mesmo, insiste em recomeçá-la. Se o destino pode esperar, que espere. No Brasil, sempre haverá um novo Carnaval – e, depois dele, um país pronto para se reinventar outra vez.
_____________________________
Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos maiores e pioneiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
Relançou – “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu
Magnífica crônica, Meraldo. Apresenta o Brasil com duas belezas e mazelas. Parabéns.