
Palestinos: o que estão fazendo com vocês? Por Charles Mady
… deparei-me com uma foto de uma fila imensa de palestinos ou voltando para o que sobrou de suas casas e vilas após bombardeios, ou se deslocando para regiões menos inseguras, carregando seus poucos pertences…
Vendo, e lendo, a primeira página do Estado de S. Paulo do dia 28 de janeiro deste ano, deparei-me com uma foto de uma fila imensa de palestinos ou voltando para o que sobrou de suas casas e vilas após bombardeios, ou se deslocando para regiões menos inseguras, carregando seus poucos pertences.
Olhando a foto com insistência, um sentido de revolta veio acompanhado de descrença em relação ao ser humano, pois os responsáveis já haviam passado por situações semelhantes, ou seja, entendem perfeitamente o que aquilo significa. São deslocamentos em massa, de populações de civis expostos ao que há de mais moderno em matéria de armamentos. Estão tentando “limpar” etnicamente aquela região, para posteriormente alocarem grupos tidos como geneticamente, humanamente, culturalmente superiores, que mal conhecem o local.
Isso tudo com a assistência de boa parte da humanidade, que não demonstra indignação e compaixão. As grandes potências do Ocidente fornecem os meios para a realização desses crimes, não se preocupando com os aspectos morais dessa limpeza étnica, que deveria receber o nome de um novo holocausto, palavra que, apesar das exigências para seu uso, cabe perfeitamente nesta situação, pois os crimes são semelhantes.
Desde a Segunda Grande Guerra não se assiste a uma tragédia semelhante. Vilas que parecem Nuremberg e Hamburgo após os bombardeios aliados, dezenas de milhares de crianças mortas, ou pela violência ou pela fome, submetidas a um bloqueio que impede a entrada de itens essenciais à sobrevivência humana. Ficam cercados, esfaimados e esquecidos pelo resto do mundo, como seres inferiores, ou “animais”, como os ocidentais os qualificam.
Querem expulsá-los de lá, onde vivem há milhares de anos, e colocar em seus lugares europeus e americanos que mal sabem apontar a região num mapa, dirigidos por indivíduos que lembram certos protagonistas criminosos da última guerra mundial.
Querem fazer daquilo um “resort” paradisíaco para milionários de outras plagas, que seria uma forma “civilizada” de ocupação, mas cercados pela fome e miséria humanas, que provavelmente não vão dar um aspecto bucólico ao local.
Querem levar suas formas de progresso, e tirar-lhes a dignidade e cultura.
Esses povos têm seus livros sagrados e suas culturas pisoteados e desrespeitados. Os perdões solicitados em templos sagrados são repetitivos, pois em cada cerimônia eles usam as mesmas palavras, numa redundância interminável e ausente de sentimentos. A terra e os pretensos ideais “sagrados” valem mais que a vida humana, como se isso fosse algo natural, determinado por um deus, que não é o meu, e que, atualmente, nada tem a oferecer a não ser o lucro e o domínio. Podemos citar os hunos e mongóis que em nada foram diferentes dos violentos “líderes” atuais, que não têm o mínimo respeito pelos oponentes. Aparentemente nada aprenderam com o Vietnã e a Coreia.
Alguns podem se indignar com essas palavras, dizendo que o ser humano é e sempre foi assim. Só que aprendemos ao longo do tempo o significado da palavra educação, fundamental para civilizar as variadas sociedades e fazê-las evoluir. Estas nunca serão constituídas de santos, mas a quantidade de demônios está aumentando muito. Será que nosso padrão social e estilo de vida estão permitindo que isso ocorra? Todos querem sobreviver, independentemente da forma, e a qualquer custo. E os ódios se exacerbam cada vez mais, inibindo diálogos e entendimentos.
Líderes mundiais são admirados por serem fortes e truculentos, donos da verdade, de suas verdades, que não aceitam contestações. É só abrir os jornais e ler suas declarações agressivas e belicosas, não se importando com opiniões alheias, vindas de grupos que podem desencadear grandes destruições. Fica difícil entender como esses perfis destrutivos permanecem no poder, com amplo apoio de suas sociedades. Propostas construtivas para todos, e não apenas para os seus, são muito raras. Aqueles que se candidatam com belos projetos nos desiludem em curto espaço de tempo, rendendo-se ao poder. Essa situação só tende a piorar, com o aumento de zonas de atrito e dos interesses.
Quando a ONU foi criada, havia o interesse de criar um fórum para se discutir os grandes problemas da humanidade. A ideia foi muito boa, tendo gerado uma onda de otimismo em todo o mundo. Mas o tempo se incumbiu em decepcionar, mostrar que geralmente causas maiores não tem respaldo para atingir resultados além de cosméticos. São discussões intermináveis, geralmente sem conclusões práticas.
O que hoje assistimos é a vitória da força sobre o bom senso. Previsões futuras são difíceis de se realizar, mas com esses indivíduos no comando não são otimistas. Mesmo assim, não podemos perder a esperança no ser humano.
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– Charles Mady, Médico e Professor associado do Instituto do Coração (Incor) e da Faculdade de Medicina da USP