
O mito das reformas. Por Everardo Maciel
Reformas: sedutoras, mas podem ser desastrosas.
A reforma tributária do consumo percorreu caminhos temerários, com participação robusta de lobbies, vários condicionantes e virtuais conflitos
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EDIÇÃO DE 6 DE MARÇO DE 2025, O ESTADO DE S.PAULO, OPINIÃO
Utopias são, ao mesmo tempo, mobilizadoras e fontes de frustrações, justamente porque correspondem a idealizações nem sempre viáveis, por deficiência de concepção ou pela ocorrência de fatores fortuitos.
Implicam, quase sempre, a construção de mitos. Um mito comum e sedutor é o das reformas, porque é um conceito indeterminado, que se presta a mistificações.
Qualquer disfunção em sistemas eleitorais, partidários, tributários e outros sistemas públicos, que governam as relações entre Estado e sociedade, estimula a proposição de reformas, que de antemão servem como um bálsamo para a disfunção.
É claro que reformas são indispensáveis à evolução dos sistemas públicos, para incorporar novos objetivos e ajustar-se a novas circunstâncias. Reformas são, portanto, processos, e não eventos.
Esse entendimento, embora pareça óbvio, não é. Quantas vezes se proclama a necessidade de reformas salvíficas sem ao menos conhecer sua própria natureza?
Por resultar em mudanças, reformas demandam método.
A irreflexão e o improviso podem produzir efeitos danosos, de diferentes magnitudes e naturezas.
O ponto de partida de qualquer reforma é conhecer claramente os problemas que a motivam, sem a invocação de chavões ou de experiências em outros países, com contexto cultural distinto. Miguel Reale (Por uma Constituição Brasileira, de 1985) dizia: “Não é apenas no organismo biológico que se manifesta o fenômeno da rejeição. Todo transplante, mesmo no organismo social, importa rejeição, dadas as peculiaridades de cada comunidade”.
Conhecidos os problemas, deve-se proceder à distinção entre o que reformar e o que não reformar.
A partir daí, buscar soluções viáveis, com menor potencial de danos colaterais, a serem implementadas gradualmente e mediante ajustes e reajustes, na esteira das engenharias parcelares de Karl Popper (A Miséria do Historicismo, de 1957).
Soluções disruptivas, que desconhecem as referências do passado, são em geral desastrosas. Mesmo as não disruptivas, quando feitas impulsivamente, podem ser contraproducentes, a exemplo das mudanças nos tributos, gastos públicos e Orçamento, introduzidas pela Constituição de 1988, e, por via infraconstitucional, na legislação que trata do financiamento dos partidos e das eleições.
Essas mudanças comprometeram gravemente a governabilidade do País.
A reforma tributária do consumo percorreu caminhos temerários, com participação robusta de lobbies, vários condicionantes e virtuais conflitos. Aguardemos, atentamente, o desenrolar dos acontecimentos.
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