
by Maurenilson Freire, desenhista cearense-brasiliense via Correio Braziliense
O fim da Pax Americana. Por José Horta Manzano
A Pax Americana, que vigorava desde que o silêncio dos canhões anunciou o fim da Segunda Guerra, dá sinais de estar se esgotando. Num momento histórico como o atual, em que qualquer um pode afirmar, sem medo do ridículo, que Hitler era comunista, que o Tiradentes era gay ou que o papa é pedófilo, vai ficando claro que nada mais é como antes…

Artigo publicado no Correio Braziliense e no site do autor
A Pax Americana, que vigorava desde que o silêncio dos canhões anunciou o fim da Segunda Guerra, dá sinais de estar se esgotando. Num momento histórico como o atual, em que qualquer um pode afirmar, sem medo do ridículo, que Hitler era comunista, que o Tiradentes era gay ou que o papa é pedófilo, vai ficando claro que nada mais é como antes. Nosso mundo de confiança, acolhedor e reconfortante, vai se tornando um mundo de desconfiança, em que acordos de cavalheiros se tornaram vaga reminiscência histórica. Na atualidade, golpes baixos são assestados todos os dias pelas mais altas autoridades, restando às vítimas os olhos para chorar.
Faz apenas um mês que Donald Trump assumiu a Casa Branca. Nesse curto espaço de tempo, seu comportamento, reforçado pelo de J.D.Vance, seu vice-presidente, e pelo de Elon Musk, seu assessor especial, tem demonstrado que a solidariedade atlântica – base estável do que, até outro dia, se chamava Ocidente e que incluia a América do Norte e a Europa – está demolida, varrida, morta e enterrada. Em duas semanas, desmoronou e deixou de existir.
Pode-se até, sem forçar na caricatura, incluir a América Latina nesse falecido mundo atlântico. Excetuando-se uma ou outra erupção antiamericana aqui e ali, os países latino-americanos faziam parte desse mesmo universo. Relevem-se naturalmente “enfants terribles” tais como Cuba, Nicarágua, Venezuela.
Abrigada há 80 anos sob o guarda-chuva da proteção dos EUA, a Europa acorda assustada. A reviravolta é tão violenta e inesperada que chefes de Estado e de governo, parlamentares e outras autoridades parecem agitar-se, frenéticos, correndo de um lado para outro, tais formigas cujo formigueiro tivesse recebido vigoroso pontapé. Da noite para o dia, teme-se que os acordos consignados na Otan – tratado de defesa mútua assinado em 1949 entre EUA, Canadá, Turquia e 29 países europeus – tenham-se tornado subitamente letra morta.
Na guerra que se instalou em 2022 na sequência da invasão russa do território ucraniano, Trump já deixou claro seu apoio ao agressor, posição esdrúxula, que contraria o bom senso e o direito que os países livres e soberanos têm de defender o próprio território de ataques externos. Segundo Trump, Zelenski, o presidente da Ucrânia, que conta com 63% de aprovação de seu povo, não passa de um “ditador” que tem de mais é que se dobrar às imposições de Moscou. Da posição de Trump, os espanhóis diriam que é “un atropello a la razón”.
Trump não parou por aí. Foi além, saltou todas as linhas vermelhas e adotou ao pé da letra a posição de Moscou. Declarou, alto e bom som, que a Ucrânia terá o direito de aderir à União Europeia mas não à Otan. É exatamente o futuro da Ucrânia desejado por um Putin incomodado com a perspectiva de ter mais um membro da Otan à sua fronteira.
Zelenski, presidente da Ucrânia, mostrou prudentemente seu desacordo com as palavras de Trump. Já um indignado Emmanuel Macron, presidente da França, declarou que “Ninguém tem o direito de dizer que a Ucrânia não tem direito a entrar na União Europeia ou na Otan”. E embarcou para Washington a fim de repetir essas palavras a Trump, cara a cara. Como se vê, formigas desnorteadas se perguntam como é possível que lhes falte chão debaixo das patinhas.
Donald Trump, além de ser narcisista em alto grau, é dono de um ego desmesurado. Disso, o mundo já se deu conta. Outra faceta de sua personalidade, que vai se revelando com o passar dos dias, é a que o leva a não fazer distinção entre amigos e inimigos, aliados e adversários. A Europa é a maior aliada dos EUA, uma realidade de 80 anos, desde o fim da guerra. O desdém com que Trump tem tratado o aliado tradicional é estonteante.
Mas por que diabos o presidente americano está agindo assim? Louco, não é. Tem de ter em mente um plano, posto que seja inexequível. É plausível que, após analisar a atual situação geopolítica e considerado a inescapável ascensão da China, tenha decidido cindir o tabuleiro mundial em dois mundos, um capitaneado pelos EUA e o outro, pela China. Isso explica seu desejo de trazer a Rússia para seu campo, passando por cima da Europa – que considera favas contadas.
O plano até faria sentido, mas a forma estabanada como está sendo implantado pode pô-lo a perder. Se der certo, será a cortina de ferro ressuscitada, em outras coordenadas geográficas.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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