
As células comunistas e as igrejas evangélicas. Por Rui Martins
… evangélicos com suas congregações e igrejas, seus cultos, reuniões de jovens, mulheres, escolas dominicais, uniões de mocidade e festas preparadas por seus pastores e fiéis. Na verdade, revivem as células do partido comunista, que permitiam sociabilidade, fortaleciam as amizades e se multiplicavam…
Seria possível fazer observações paralelas entre realidades distantes, como o comportamento dos eleitores da antiga Alemanha Oriental comunista (ex-RDA) atraídos pela extrema direita (AfD), com o crescente alinhamento das camadas populares de antigas áreas urbanas e industriais brasileiras às propostas da extrema direita calcadas numa linguagem fundamentalista de fundo religioso?
O que nos atrai nessa sutil comparação são certas semelhanças existentes entre a antiga população da Alemanha Oriental com o imaginário político do proletariado ou operariado das regiões urbanas brasileiras.
De acordo com uma sondagem feita na RDA e publicada em 2009, um quinto da população vivia com nostalgia dos tempos do Muro de Berlim com seu regime comunista. Para eles, a região tinha sido uma espécie de “paraíso social”, onde havia emprego e moradia para todos.
Vivendo uma crise econômica, os alemães do Leste esqueciam as privações de liberdade, os pequenos salários, as dificuldades de viajar para fora da Alemanha, a censura, a polícia Stasi e outras tantas.
Numa outra pesquisa, nesse mesmo ano, publicada pelo jornal Der Spiegel, 57% dos alemães do Leste não hesitavam em defender o antigo regime de partido único.
Mas 16 anos depois – o resultado das eleições legislativas demonstrou – as boas lembranças se perderam e os alemães orientais não aceitam os atrasos ainda existentes numa comparação com a Alemanha Ocidental.
E já reencontraram, como no passado, os responsáveis: são os imigrantes. E o partido de extrema direita Alternativa Para a Alemanha (AfD), que dobrou o número de votos e ultrapassou os 30% na antiga RDA, tem a solução: a remigração ou a expulsão de todos os imigrantes.
Alice Weibel, a dirigente do AfD, partido também qualificado como neonazista, rejeita qualquer sanção contra a Rússia, nega mudança climática, quer a saída da zona Euro e da União Europeia, defende a família tradicional e os sexos masculino e feminino como modelos. Seu slogan, populista e nacionalista, Tudo pela Alemanha, vai na linha dos adotados pela extrema direita nos EUA e no Brasil. Elon Musk, próximo do presidente Donald Trump, fez campanha eleitoral para Alice Weibel e utilizou também a plataforma X para isso.
Qual a semelhança com a evolução da política brasileira?
Talvez a nova geração não saiba e os mais velhos tenham esquecido, mas as ideias marxistas fizeram seu caminho no fim dos anos 1930 e, nas primeiras eleições depois da ditadura de Vargas, em 1945, o Partido Comunista teve candidato próprio para presidente, Iedo Fiúza com 10% dos votos. O candidato mais votado para o Senado foi Luiz Carlos Prestes e foram eleitos 14 deputados federais.
Com o PCB na legalidade, concorreram nas eleições intelectuais e artistas de prestígio como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Júnior, Candido Portinari, Mario Schemberg e Di Cavalcanti. Em 1947, o PCB foi declarado ilegal e os eleitos tiveram seus mandatos cassados.
O mais grave foi a repressão policial fechando todas as células do partido em todo país. O PCB era forte na cidade portuária de Santos, com maioria eleita na Câmara e chamada de Cidade Vermelha, nas cidades do ABC e São Paulo, em fase de industrialização e com grande população operária.
Embora mantendo influência nos meios universitários, entre intelectuais e artistas, a proibição e perseguição do Partido impediu uma popularização e influência política, embora surgissem líderes carismáticos de esquerda como Leonel Brizola.
Até o surgimento do Partido dos Trabalhadores com a liderança de Lula, criando um populismo ou militantismo de esquerda com a criação de conquistas sociais, na sequência das criadas por Vargas.
Em 1947, o movimento social e político comunista era extremamente ativo e crescia nas camadas populares com as células que promoviam cursos, reuniões políticas mas igualmente festejos em espaços abertos em bairros e cidades com participação de jovens e mesmo crianças, numa espécie de grandes reuniões populares de famílias. Me lembro dessas festas no Morro de São Bento, na cidade de Santos, para onde me levava meu pai.
Esses tipos de encontros populares desapareceram, nem o PT conseguiu refazê-los com a mesma constância, criando vínculos entre as pessoas e as famílias. Até chegarem os evangélicos com suas congregações e igrejas, seus cultos, reuniões de jovens, mulheres, escolas dominicais, uniões de mocidade e festas preparadas por seus pastores e fiéis. Na verdade, revivem as células do partido comunista, que permitiam sociabilidade, fortaleciam as amizades e se multiplicavam.
O formato é quase o mesmo, com ligeiras variações, mas o conteúdo é muito diferente, com a religião como fator agregador e a política como objetivo, servindo como propagador do credo fundamentalista, próximo da extrema direita.
Nem as redes sociais conseguem o mesmo resultado porque essas células garantem o contato humano direto e se tornam imbatíveis.
Quaisquer semelhanças entre essas duas realidades, alemã e brasileira, pode ser mera coincidência.
Algumas referências:
https://www.scielo.br/j/sssoc/a/JSQhmDk8n5Q4jbLmVqJnwDy/
https://pcb.org.br/portal2/29261
https://www.tdg.ch/allemagne-lextreme-droite-est-forte-parce-que-les-gens-sont-epuises-335764392428
https://www.scielo.br/j/op/a/n4WbzcvpzQYfwgd643NMQdq/
- Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –
https://www.youtube.com/@rpertins
_________________________________________