Falta de profissionalismo

Falta de profissionalismo. Por Myrthes Suplicy Vieira

Profissionalismo!…sinto a necessidade de aconselhar tantos e tão variados golpistas quanto às formas mais eficientes de administrarem seu “negócio”. Observem, por favor…

Falta de profissionalismo

Minha filha já foi sequestrada umas sete vezes e covardemente ameaçada de morte caso eu não providenciasse a recarga de um cartão pré-pago para seus algozes.

Minhas contas bancárias já foram invadidas por hackers umas cinco vezes e meus cartões de crédito já foram clonados várias outras. Se não fosse graças à presteza do gerente para me ligar alertando sobre movimentações suspeitas e disponibilizando um motoboy para retirar meu cartão, o prejuízo seria enorme.

Minha operadora de telefonia já me ligou duas vezes, comunicando que eles haviam sido multados pela Anatel por cobrarem uma taxa de ligações internacionais jamais feitas e que, por isso, se prontificavam a fazer o reembolso imediato dos valores recebidos indevidamente, bastando apenas que eu informasse o número da minha conta e a senha para o depósito.

Já fui advertida inúmeras vezes pela Netflix por não ter sido identificado o pagamento de parcelas atrasadas e que, portanto, minha conta seria encerrada. Os Correios já me notificaram diversas vezes de que um pacote referente a uma compra internacional teria sido apreendido pela fiscalização e que eu teria um prazo máximo para a regularização junto à Receita Federal. Também o Detran já emitiu vários avisos de que minha carteira nacional de habilitação seria suspensa caso eu não pagasse multas referentes a infrações de trânsito cometidas por mim. Em todos esses casos, vejam só quanta facilidade e cortesia, tudo o que eu precisaria fazer era escanear um QR Code ou copiar o código de barras para providenciar o pagamento.

Juro que eu entendo e me comovo com a dificuldade de sobrevivência de pessoas sem muita qualificação profissional que vêm lutando sem sucesso para abrir espaços no competitivo mercado de trabalho atual. Compreendo também a profunda desigualdade de oportunidades de acesso a uma educação de qualidade que mancha indelevelmente nossa combalida república.

Sei por experiência própria como é humilhante ir ao supermercado e ter de sair de mãos abanando por não dispor de fundos suficientes para encarar os preços hiperinflacionados de produtos básicos de alimentação e higiene pessoal. Porém, em meio a esse excruciante cipoal de tentativas de me separar do meu suado dinheirinho de aposentada, sinto a necessidade de aconselhar tantos e tão variados golpistas quanto às formas mais eficientes de administrarem seu “negócio”. Observem, por favor:

      1. Não subestimem a inteligência de suas vítimas em potencial. O fato de uma pessoa ter chegado a uma idade avançada não significa que ela tenha obrigatoriamente de apresentar um déficit cognitivo. Podemos ser mais lentos para reagir, mas não incapazes de ligar lé com cré e desconfiar das reais intenções de pessoas que não conhecemos pessoalmente;
      1. Antes da segunda tentativa de passar um golpe por telefone ou e-mail que já tenha ‘dado ruim’ na primeira, risquem imediatamente o número e/ou o endereço da vítima. Isso vai lhes poupar muito constrangimento e desviar sua atenção de contatos que poderiam lhes render muito mais frutos. É uma questão básica de organização e de planejamento, uma tarefa que pode facilmente ser delegada a um auxiliar qualquer;
      1. Façam um curso rápido de imersão gramatical na língua portuguesa, dada a alta complexidade de suas regras e das infinitas exceções que ela comporta. Principalmente se a mensagem for escrita, é preciso atentar para o jargão da área, a concordância verbal e nominal, e evitar a todo custo o emprego de gírias e expressões populares. Isso reforça em muito a sua credibilidade e agrega um toque de simpatia ao seu esforço de convencimento da vítima;
      1. Diversifiquem ao máximo seus golpes. O que vem acontecendo desde sempre é que alguém descobre um veio que mostra ser altamente promissor e ele passa a ser explorado ad nauseam por incontáveis outros garimpeiros. Sejam criativos também para agregar novos contornos a golpes já conhecidos, inovando nos detalhes da mensagem e contando com a ajuda da IA para reforçar o entendimento de que “é verdade este bilete”.

Cansada de ser assediada por tantos meliantes, desenvolvi algumas técnicas de negociação rápida que agora tenho o prazer de compartilhar com quem me lê:

      • Interrompa várias vezes o discurso alarmista do golpista, pedindo explicações e mais detalhes sobre a ocorrência. Isso costuma implicar muitos gaguejos e desculpas esfarrapadas que podem ligar o alerta de que o golpista não dispõe de tantos dados assim a seu respeito;
      • Na primeira vez que for abordado, deixe que o discurso golpista avance até chegar a um ponto crucial de persuasão e, ao final, informe placidamente que ele se equivocou e está falando com a pessoa errada. Aprenda a se divertir dizendo algo como: “Tudo bem, vou fazer o que você me pede, mas só tem um probleminha: eu não tenho filhos, não tenho conta nesse banco, não tenho cartão de crédito, não fiz nenhuma compra internacional, não tenho carro/não dirijo há meses, deixei de trabalhar com essa operadora de telefonia há dois anos, etc.

Ajude a profissionalizar nossos golpistas pé de chinelo, já temos concorrentes demais no universo político e empresarial.

A pátria agradece.

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(*) Myrthes Suplicy Vieira –  é psicóloga, escritora e tradutora.

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