
Gulf of Mexico. Por José Horta Manzano
America, no singular, é o nome que os americanos atribuem ao país deles, à exclusão de todos os demais países. Quando Trump determinou que o nome seja Gulf of America, assim no singular, referiu-se aos Estados Unidos. Aos ouvidos deles, soa Golfo dos Estados Unidos.
Até certo ponto, denominações geográficas se parecem com logradouros de cidades brasileiras: volta e meia, um vereador vem com a ideia de alterar este ou aquele nome. Por exemplo, propõe que a tradicional Rua da Igreja seja rebatizada como Rua Professor João Hipólito da Luz e Alvarenga Fernandes de Oliveira. Por falta de sensibilidade, os edis acabam aprovando. E adeus, Rua da Igreja!
Enquanto alterações descabidas se concentram dentro de limites municipais, o mal não é tão grande. Quando a mudança atinge a nomenclatura geográfica planetária, o problema muda de escala. Especialmente quando a alteração é imposta por meio de força bruta, censura ou pressão.
No Ginásio me ensinaram que o Golfo Pérsico se chamava assim mesmo: Golfo Pérsico. As águas do golfo banhavam então um único grande país: o Irã, a antiga Pérsia. Nos anos 1970, a rápida ascensão dos estados petroleiros mudou o panorama e o Irã deixou de ser o único país importante da região. As novas potências passaram então a pressionar para que o mundo chamasse aquelas águas de Golfo Arábico. Bem ou mal, todos adaptaram o nome, cada um à sua maneira. Alguns anotam Golfo Pérsico (Golfo Arábico). Outros fazem o contrário: Golfo Arábico (Golfo Pérsico). Os franceses, por fim, decidiram-se por Golfo Árabo-Pérsico.
Até a Guerra das Malvinas (1982), ninguém, fora da Argentina, estava realmente preocupado com o nome daquele arquipélago perdido no extremo sul do Atlântico. Cada um o chamava pelo nome que lhe parecia correto. Os países de fala castelhana diziam Islas Malvinas. Os demais preferiam Ilhas Falkland. Os franceses, sempre originais, diziam acertadamente Ilhas Malouines. É que, depois de receberem diferentes nomes, as ilhas foram finalmente chamadas Malouines em homenagem aos primeiros habitantes permanentes, marinheiros oriundos de Saint-Malo (França). Malvinas é adaptação espanhola de Malouines.
Depois da guerra anglo-argentina de 1982, o mundo passou a ter cuidado na hora de inscrever nos mapas o nome do arquipélago. Todos anotam agora o nome espanhol e o nome inglês. Os franceses continuam se referindo às Ilhas Malouines (Falkland).
O desastrado mapa-múndi lançado ano passado pelo IBGE para uso escolar deslocava o Meridiano de Greenwich e, em consequência, desregulava o relógio planetário, que se baseia naquele que é o meridiano zero, escolhido como ponto de partida da contagem da hora. Um péssimo exemplo de como não agir, visto que esse tipo de capricho só serve para confundir os alunos que terão dificuldade em entender a divisão do globo em 24 fusos horários partindo de Greenwich.
Contrariando o uso estabelecido pelos demais países, o mapa-múndi do IBGE não atribui nome bilíngue às Malvinas. Chama o arquipélago unicamente pelo nome espanhol. E anota que as ilhas são argentinas, o que não corresponde à realidade. História e Geografia reescritas.
Desconhecido na Europa até os anos 1600, o peru assustou quem o viu pela primeira vez. Ao observarem (de longe) a ave das Américas, cada um imaginou que pudesse vir de algum lugar longínquo. Os ingleses acreditaram que vinha da Turquia, país então muito distante no imaginário de todos. E o bicho acabou sendo chamado pelo próprio nome do suposto país de origem: turkey.
Meio milênio correu tranquilo. Até o dia, faz poucos anos, em que o líder turco se encrespou. Reclamou que na ONU, onde a língua de trabalho mais utilizada é o inglês, seu país estava sendo chamado pelo mesmo nome da ave, ou seja: Turkey. Pediu que o nome de seu país passasse a receber a grafia original turca: Türkiye. E assim foi feito. Foi-se a Turkey, boas-vindas à Türkiye. Poucos notaram a diferença, visto que em inglês as duas formas têm a mesma pronúncia.
Entre as fanfarronadas de Donald Trump estas últimas semanas, está sua ordem de que seja alterado o nome do Golfo do México. Apesar de a denominação estar em vigor há séculos, o moço decidiu que Golfo da América fica melhor. Preocupados em não desagradar ao potentado, todos responderam “Sim, senhor”. E, da noite para o dia, as “aguas calientes” da imensa superfície marítima se tornaram Golfo da América. A aplicação Google Maps esteve entre os primeiros a efetivar o novo nome.
A nós, habitantes de antigas colônias portuguesa e espanholas, não nos faz quente nem frio. Fica até simpático, Golfo da América. Parece que o continente inteiro foi contemplado com a homenagem.
Engano, senhores! Nós estamos entre os únicos a considerar que o termo América vale para o conjunto de países das Américas. Nos EUA, não é bem assim. Para se referirem ao continente que começa no Canadá e termina na Terra do Fogo, eles usam o termo no plural: Americas, The Americas. No singular, é outra coisa.
America, no singular, é o nome que os americanos atribuem ao país deles, à exclusão de todos os demais países. Quando Trump determinou que o nome seja Gulf of America, assim no singular, referiu-se aos Estados Unidos. Aos ouvidos deles, soa Golfo dos Estados Unidos.
De repente, fica menos ingênuo.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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