paz de mentirinha

Paz? Quando Trump pega o telefone e chama Putin para darem cabo, juntos, à guerra provocada pela invasão russa à Ucrânia, toda a teia dos relacionamentos globais estremece…

paz de mentirinha

Sabe aquele sorriso meio forçado que a gente dá em direção ao fotógrafo, sorriso que não reflete a verdade do momento e que só serve pra aparecer bem na foto? É a imagem que me vem à mente quando vejo a auto louvação de Trump e Putin na sequência da conversa telefônica entre os dois. Desligado o aparelho, o mundo continua igual e a tão desejada paz continua longe e difícil de alcançar. Mas o sorriso meio forçado sai bem na foto e satisfaz ao ego de ambos.

Donald Trump não tem a menor ideia do que seja a geopolítica. Talvez nem chegue a se dar conta de que as relações entre os diferentes países são regidas por fios sutis e sensíveis, e que um leve esbarrão na teia repercute em todo o trançado. Sua especialidade são os negócios.

Dizem que é excelente homem de negócios, agressivo, resistente, incisivo. Não há razão para duvidar de suas habilidades. O problema é que relações internacionais não devem ser tratadas como quem compra uma peça de tecido ou meio lote de terreno. É grave que um presidente seja a tal ponto desconectado da dualidade entre diplomacia e negócios. Os dois mais recentes presidentes de nossa maltratada república tinham ambos algo de Trump.

Quanto aos negócios, não sei, mas o fato é que nenhum dos dois manjava lhufas de diplomacia. Daí o tempo perdido por Bolsonaro que passou seu mandato vituperando contra a China, insultando a primeira-dama da França e arrumando encrenca gratuita com uma dúzia de outros países. Lula seguiu pelo mesmo caminho. Arrogante e soberbo, destratou o presidente da Ucrânia e deu ao mundo seu peculiar diagnóstico pessoal segundo o qual a Crimeia, parte integrante do território ucraniano, tinha de ser entregue ao invasor. Sua dose cavalar de orgulho levou-o ainda a arrumar encrenca com Israel, país onde acabou sendo declarado “persona non grata” – vejam que cúmulo!

Mas essas trapalhadas não perturbaram o equilíbrio do planeta. E isso por uma razão simples: o Brasil não são os EUA. Dirigentes de um país periférico, carente, militarmente pouco significativo, nossos figurões são tigres sem dentes, que não assustam. Já o presidente dos EUA, quando faz das suas, assusta. E muito.

Quando Trump pega o telefone e chama Putin para darem cabo, juntos, à guerra provocada pela invasão russa à Ucrânia, toda a teia dos relacionamentos globais estremece. É que o presidente americano, certamente sem se dar conta, acaba de entrar de sola num terreno espinhoso, cujos problemas não podem ser resolvidos no grito, nem no par ou ímpar, nem no dadinho.

Está fazendo três anos que a grande Rússia invadiu a pequena Ucrânia. Os invadidos vêm lutando com muita bravura, tanto que até agora seguraram o exército de Putin. Milhões de ucranianos fugiram do país e se asilaram na Europa que, generosa, os acolheu a todos. Faz três anos que todos os países europeus vêm ajudando a Ucrânia, cada um conforme suas possibilidades. Faz três anos também que os EUA vêm ajudando com fornecimento de material bélico, sem o qual a Ucrânia não teria resistido.

De repente, chega um sujeito de pé grande, vira o jogo e, sem avisar aos aliados, decide entrar em comunicação com o ditador do país agressor, passando por cima do país agredido e de todos os aliados que contribuíram para segurar até agora o tirano. Imagine a que ponto a geopolítica está assustada. Não é todos os dias que se assiste a uma traição tão flagrante e tão desenvolta.

A não ser que, nas trevas da equipe de Trump, um raio de luz consiga penetrar e ensinar que não é assim que se joga esse jogo. Do jeito que está, o presidente americano está reabilitando o ditador russo e condenando a pobre Ucrânia a uma existência de medo, sob a ameaça permanente do apetite expansionista do vizinho e grande irmão moscovita.

Talvez nem a Otan resista a essa inacreditável quebra de aliança.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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