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O cara que inventou o spoiler. Por Paulo Renato Coelho Netto

… Com o tempo, adotaram a palavra spoiler para qualificar esse constrangimento coletivo. Vem do inglês to spoil, que significa “estragar”.

ROMEU E JULIETA (1968) | Rádio CineMúsica

O irmão mais velho de um amigo resolveu nos chamar para assistir Romeu e Julieta no cinema. O convite se revelou uma cilada no mesmo momento que ele disse que tratava-se da obra escrita por Shakespeare. Estávamos nos anos 80.

Até o último yanomami isolado na Amazônia sabe quem escreveu Romeu e Julieta.

Ocorre que o rapaz havia adorado o filme e assistido três vezes seguidas sozinho.

Chato que é chato sempre anda desacompanhado.

Para não ir pela quarta vez com ele mesmo ao cinema, nos convidou com um ânimo de esfomeado na confeitaria. E lá fomos nós, eu no início dos meus 15 anos.

E não é que ele havia memorizado cada cena, cada fala, cada pausa?

Animado, sempre precedido de um alá!, quer ver?, o rapaz contava em detalhes cada cena que viria em seguida.

Aos 15 anos, ainda não havia aprimorado a infalível arma do “vai se foder” para quem me incomodasse.

Eu falava baixo, praticamente no ouvido do cara, sem sucesso, para ele ficar quieto. Nada.

Empolgado, conforme a dramaticidade da cena ainda inédita que viria a seguir, ele adotava um tom de voz um pouco acima do normal. Falava com a desenvoltura de bêbado na padaria.

Incomodou pagantes em um raio considerável de gente que apelava para o shiiit! como protesto.

A essas alturas Romeu e Julieta já haviam ido para o espaço como Star Wars.

Menos da metade do filme, joguei a toalha como o técnico de Rocky Balboa para não ver o lutador ser espancado até a morte por Apollo Creed e, com ele, o jovem e desconhecido ator Sylvester Stallone, que interpretava Balboa, o Garanhão Italiano.

E o cara seguia animadíssimo:

– A Julieta vai tomar um pouco de veneno para se fingir de morta. Quer ver? O Romeu vai achar que ela morreu. O Romeu vai tomar veneno pra caralho e vai se ferrar. Você vai ver que ela acorda e vai perceber que o porra do Romeu se matou. Agora ela vai se matar de verdade! E vai ser na punhalada! Tá entendendo o tamanho da confusão?

Mesmo depois da sessão, até chegarmos em casa ele não parava de falar sobre o filme.

Com o tempo, adotaram a palavra spoiler para qualificar esse constrangimento coletivo. Vem do inglês to spoil, que significa “estragar”.

Em 2008, assisti Hamlet, de William Shakespeare, interpretado por Wagner Moura no Teatro Faap, em São Paulo.

Antes de entrar, na bilheteria apareceu ao meu lado o jornalista Paulo Henrique Amorim. Não pensei duas vezes. Imitando seu tom de voz, o cumprimentei com seu famoso bordão:

– Olá, tudo bem? Sempre quis falar isso para você.

Ele riu, eu ri e fomos cada um para seus lugares na plateia. Ninguém abriu a boca durante o espetáculo.

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paulo rena

Paulo Renato Coelho Netto –  é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.

 

capa - livro Paulo Renato

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