
Existe o perigo de um golpe nos EUA? Por Rui Martins
Perigo…Com o domínio das redes sociais e a utilização da Inteligência Artificial isso não será impossível. Prestes a completar um mês de governo, Trump, cujo comportamento já se assemelha ao de um ditador, não parece ter, até este momento, contra-poderes à altura…
Diante da maneira como vem se comportando o presidente Donald Trump, muita gente começa a ficar com a pulga atrás da orelha nos Estados Unidos. A enxurrada de decretos sem consulta e aprovação do Congresso, as decisões tomadas ao arrepio da Constituição americana, as ameaças de demissão para quem se colocar na frente, tudo isso começa a preocupar jornalistas, analistas e políticos.
Mesmo porque as decisões autoritárias de Trump, principalmente as de expulsões de imigrantes e cortes de funcionários na máquina governamental, estão sendo bem recebidas pela população e aumentando sua popularidade.
Embora Trump tenha jurado sobre a Bíblia que irá preservar, proteger e defender a Constituição, isso não parece garantia suficiente contra a tentação de ter plenos poderes e de ignorar as restrições e entraves judiciais destinados a proteger o funcionamento normal da Democracia.
Como senão bastasse sua presença egocêntrica no comando do governo, Trump tem ao seu lado uma espécie de primeiro-ministro, o multimilionário Elon Musk, decidido a enxugar a máquina burocrática do país, no que poderia ser um esforço de economia orçamentária, mas, na verdade, com o objetivo real e principal de debilitar a estrutura orgânica para não haver reações a uma intenção programada de assumir o controle autocrático do país.
Com o domínio das redes sociais e a utilização da Inteligência Artificial isso não será impossível. Prestes a completar um mês de governo, Trump, cujo comportamento já se assemelha ao de um ditador, não parece ter, até este momento, contra-poderes à altura, seja na justiça, na sociedade e na imprensa, baseando-se na união oligarca de uma forte elite econômica.
Fator importante, Trump não reconheceu e não reconhece até hoje sua derrota frente a Joe Biden, em 2020. Além disso, foi Trump quem incentivou o ataque ao Capitólio em janeiro de 2021 contra o resultado das eleições. E, bastante sintomático e preocupante, Trump anistiou a todos os envolvidos no ataque ao Capitólio, onde houve cinco mortes e dezenas de feridos.
Ou seja, para ele não houve ataque à democracia na tentativa de impedir a posse de Joe Biden e, por tabela, para Trump não havia culpados mesmo se foram presos e condenados. Durante os últimos quatro anos, Trump não só repetia ter havido fraude nas eleições como deixava entrever seu desejo de vingança, agora consumado neste seu segundo governo, com a tentativa de demitir e processar todos os funcionários da Justiça envolvidos nos processos contra os invasores do Capitólio.
É muito pessoal seu conceito de “preservar, proteger e defender a Constituição”, jurado na primeira posse para desrespeitar, quatro anos depois, nos incentivos ao ataque do Capitólio. Com base nessa folha corrida de Trump – o primeiro presidente com uma condenação judicial – nos seus gestos autoritários e nas ameaças econômicas e mesmo de invasão a outros países desde sua posse, é difícil acreditar num Trump disposto a aceitar decisões judiciais anulando seus decretos ou do seu “primeiro-ministro” Elon Musk. E já surgem jornalistas perguntando se Trump vai querer mudar a Constituição para ter um terceiro mandato!
No momento, Trump procura saber até onde pode esticar seus poderes, sobre quem pode passar por cima, até onde pode assustar. No exterior, as reações variam do Hamas, países árabes, França, México, da Dinamarca e do Canadá ao Brasil.
Dentro dos Estados Unidos já existe alguma resistência por parte de alguns juízes federais. O presidente Trump parece tentado a ignorar as decisões judiciais tomadas por esses juízes e ameaça mesmo puni-los. Se isso realmente ocorrer, a democracia norte-americana que, no passado, incentivou tantos golpes de Estado, inclusive no Brasil em 1964, poderá ver o feitiço virar contra o feiticeiro.
O sinal de alerta foi dado por um magistrado de Rhode Island que denunciou não ter sido respeitada pelo governo uma de suas decisões. Logo depois, um juiz federal, John McConnell, acionado por Estados democratas, bloqueou o corte pela administração Trump, pedido por Elon Musk, de bilhões de subvenções, sob o argumento de que tais pagamentos já haviam sido aprovados pelo Congresso. Houve reações contra esses cortes inclusive por deputados republicanos, Trump parecia ter cedido e anulado os cortes, mas uma parte dessas subvenções continua bloqueada. Assim como Trump parece querer fazer passar à força muitos decretos considerados ilegais.
A situação se complicou com uma declaração do vice-presidente J.D.Vance de que “os juízes não têm o poder de controlar o poder legítimo do executivo”. E a palavra “golpe de Estado judiciário” acabou sendo utilizada por Elon Musk, o multimilionário nomeado por Trump para enxugar as despesas governamentais, como se fosse um ministro com plenos poderes. Qualquer coincidência com o ataque dos golpistas bolsonaristas de que no Brasil existe uma “ditadura judiciária exercida pelo STF” seria mera coincidência.
Contra o chamado trio Trump, Musk e Vance já se mobilizou o senador democrata Chris Murphy, afirmando numa entrevista à CNN, estar havendo o fim potencial da democracia nos Estados Unidos. “Se o presidente está acima das leis, quem respeitará as leis no país?”, disse ele.
Diversos professores de Direito estão alertando quanto ao risco de uma crise institucional nos EUA. Entretanto, comenta o correspondente do jornal suíço Le Temps, “o país parece anestesiado”.
Trump poderia evitar o confronto com os juízes recorrendo de suas decisões junto à Suprema Corte. Ao contrário do Brasil, onde o STF defendeu a Constituição e impediu a realização de um Golpe, a Suprema Corte dos EUA tem maioria com os três ministros conservadores nomeados por Trump, que lhe são sempre favoráveis. No caso de litígio com juízes federais, Trump sairia sempre vencedor, porém haveria um longo prazo para julgamento.
Diante disso, na sua pressa, o mais provável é Trump passar seus decretos na força, sem se preocupar com as consequências para a democracia.
- Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –
https://www.youtube.com/@rpertins
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Entre acadêmicos americanos e estrangeiros que, dentro do país, estudam política doméstica nos EUA, parece haver consenso a respeito de ao menos três aspectos do plano trumpista alt-right de poder: 1. instalar oligarquias em todas as instância da máquina governamental; 2. desfazer a representação popular por meio da extinção – ou, no mínimo, do enfraquecimento – das estruturas de contrapoder e mitigação social e econômica e; 3. negar a representação – e, no limite, a existência – de outros pensamentos políticos, tratando-os como inimigos não apenas de Trump e do governo, mas do próprio país e da democracia – conceito que, neste uso incrivelmente particular, ressurge destituído de praticamente tudo que modernamente representa. Cada um desses três elementos do plano cumpre função estratégica: A. garantir políticas públicas de incremento e perpetuação de dominação de interesses próprios ao grande capital concentrador de poder e riqueza; B. eliminar resistência popular da parte de parcelas subalternas da população por meio da construção da imagem mítica de um, digamos, poder naturalmente justo (porque devolve a grandeza patriótica aos grandes patriotas e põe os traidores da pátria em seu devido lugar…) e; C. demolir pouco a pouco a resistência política das estruturas de poder institucionalizadas, doravante vistas como tentáculos internos de uma suposta máquina internacional de disseminação de ideais comunistas ou congêneres… Sim, há quem creia nisso!
Não precisa dizer mais. Os EUA correm riscos reais de uma erosão significativa em seu modelo democrático, que não é o melhor ou mais acabado, mas que, até agora, ao menos, manteve-se robusto. Não creio que sobrevirá uma ditadura ou algo semelhante no país, mas se torna cada vez mais claro que, em termos de dispositivos de segurança jurídica e institucional, a democracia americana merecerá doravante uma séria revisão. A integridade da Constituição está para ser posta em questão por um presidente-déspota-nada-esclarecido que de tudo fará um pouco para se manter no poder em um até agora inconstitucional terceiro mandato. Já é uma indicação àqueles que desejam manter sólida a democracia nos EUA: suas leis têm de mudar! Fascistoides como o que aí está têm de ser legalmente enquadrados, e seus abusos devem ser legalmente impedidos e criminalizados. Cabe aos políticos americanos – e, claro, ao povo – reformar o que outrora parecia o paraíso da institucionalidade intocável. Trump, Musk et alii já a tocaram. Ainda não está podre, mas ela está em vias de apodrecer.
Quem olhar para o Brasil, verá que, entre os alunos admiradores de Trump e extremistas de direita em geral, há quem esteja se sentindo incrivelmente feliz nestas últimas semanas… Planejam por aí coisa semelhante, contando com a ajudinha do Tio Patinhas. Cuidado! A alegria dos Patetas representa coisa muito triste…
Excelente, muito obrigado. Coloque tn esse comentário no meu Canal, onde sonorisei esse texto. Assim mais pessoas verão. Abraço e obrigado. Em tempo. O vice-presidente Vance defendeu a extrema-direita em Munique.
Prezado Rui Martins. Agradeço sobremaneira pela atenção especial que a reprodução em teu canal representa. Sinto-me envaidecido. Espero apenas contribuir com algo que possa interessar à reflexão, e aproveito para dizer que, embora pouco tenha me dedicado à leitura de artigos publicados no Brasil, sempre que posso leio os teus aqui no CG. Aqui onde moro e trabalho, Canadá (french Canada, como dizem nos EUA…), recebemos a cada dia que passa novas e cada vez mais assustadoras notícias que esse gangster semialfabetizado cor de laranja produz com fertilidade que só mesmo as baratas igualam. E parece que teremos de conviver com isso por ainda muito tempo. Que o destino nos dê paciência… Espero poder ler mais artigos teus por aqui. Aqueles dedicados aos conflitos entre Israelenses e Palestinos, esteja certo, figuram entre os melhores e mais ponderados que se podem ler no Brasil – país em que, infelizmente, pouco de aproveitável se encontra publicado sobre esse tema na grande imprensa.
Em tempo: sabendo que você curte cinema – assim como eu -, te pergunto: você já viu Rumours, filme canadense de 2024? Embora represente um (des)concerto de nações ainda pré ‘Agente Laranja’ (o que o faz não poder aproveitar parte do humor que teria se realizado hoje), posso dizer que ri até doer… Se você não levar muito a sério, é bem engraçado.
Um abraço.