1930 GUERRAS

Diz um certo ditado que quem não conhece a história corre o risco de repeti-la. Pois o momento atual me lembra muito o vivido pela humanidade no início dos anos 1930…

1930 - GUERRAS

Diz um certo ditado que quem não conhece a história corre o risco de repeti-la. Pois o momento atual me lembra muito o vivido pela humanidade no início dos anos 1930. Precisamente em 1933, Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha pelo voto popular. Sim, o Partido Nazista venceu as eleições democraticamente! Com uma plataforma populista e elegendo os judeus como os grandes inimigos da nação, responsáveis por todo o mal que se abatia sobre os alemães, Hitler conquistou a maioria no parlamento, tornou-se chanceler, acumulou o cargo de presidente da república e, uma vez eleito democraticamente, seu primeiro ato foi acabar com a democracia na Alemanha. A tragédia humanitária e o desastre político que se seguiram todo mundo conhece. Almejando criar a “Grande Alemanha”, Hitler anexou a Áustria, a parte da Tchecoslováquia que falava alemão, depois invadiu a Polônia e deu início à mais sangrenta de todas as guerras.

Corta para 2025. Com um programa de governo igualmente populista, Donald Trump elege-se presidente dos Estados Unidos mirando nos imigrantes ilegais como os grandes inimigos, a causa de todos os males que afligem a América. Em seu sonho megalomaníaco, deseja tornar seu país grande novamente e, para isso, ameaça anexar a Groenlândia, o canal do Panamá e quem sabe até o Canadá inteiro. Assim como Hitler odiava judeus, ciganos, latinos, negros, deficientes físicos, homossexuais, Trump demonstra desprezo por negros, gays, latino-americanos… Assim como Hitler desprezava a ciência (a menos que ela servisse a seus intentos bélicos), Trump é um negacionista da ciência, embora disposto a investir milhões em inteligência artificial, produto inequívoco da ciência, evidentemente para atender a seus propósitos estratégicos e militares.

Mas por que figuras tão nefastas como Hitler e Trump são eleitas pelo voto popular? E não só eles: Hugo Chávez e seu discípulo Nicolás Maduro chegaram ao poder via eleições — Maduro procura legitimar-se no poder com base numa eleição fraudada —; o tirano sírio recém-deposto Bashar al-Assad também, assim como o ditador Vladimir Putin. Atualmente, os grandes déspotas não tomam o poder por um golpe de Estado e sim pelo voto popular, invariavelmente com uma plataforma populista e demagógica e promessas sedutoras embora irrealizáveis. E chegam ao poder porque a maioria dos eleitores, formada por aquilo que Bertolt Brecht chamou de “analfabetos políticos”, acredita neles. Descontentes com um governo fraco, que não consegue resolver seus problemas, votam num governo que promete ser forte para enfrentar esses problemas, mas que, uma vez no poder, torna-se ele próprio o problema.

É triste constatar, mas a democracia permite que isso aconteça porque a democracia é o governo da maioria, e as maiorias costumam ser burras. Seja em questões estéticas ou políticas. A maioria das pessoas consome informação de forma acrítica, aprecia todo tipo de lixo cultural, não distingue fato de boato, quer soluções imediatistas e sobretudo prioriza seus próprios interesses pessoais em detrimento do bem maior da coletividade. Foram maiorias “democráticas” que crucificaram Jesus, que condenaram Sócrates à morte e que elegeram Mussolini e Hitler.

O grande problema da democracia é que ela permite que grupos e partidos explicitamente antidemocráticos, como foi no passado o Partido Nazista e como são hoje a Alternativa para a Alemanha ou a Reunião Nacional francesa, bem como partidos igualmente extremistas de esquerda, participem da vida política institucional, concorram em eleições, elejam seus representantes e, ao fim e ao cabo, assumam o poder nacional. Parece um contrassenso, mas as constituições dos países democráticos não proíbem que partidos antidemocráticos disputem eleições — em suma, a democracia permite sua própria destruição.

Se Trump invadir o Panamá para retomar seu canal sob o silêncio amedrontado dos demais países, assim como a Europa se calou quando Hitler anexou a Áustria e a Tchecoslováquia, sua sanha imperialista não terá fim. Ou, pior, se Trump levar a cabo suas intenções expansionistas sobre a Groenlândia, possessão da Dinamarca, ou sobre o Canadá, membros da Otan, teremos uma guerra mundial entre aliados, para alegria de Putin, que verá seus potenciais inimigos digladiando-se entre si. Aliás, o ditador russo se sentirá à vontade para não só conquistar toda a Ucrânia como, quem sabe, toda a Europa.

Posso estar sendo apenas pessimista, mas a conjuntura atual se assemelha muito à do início dos anos 1930. E todos sabemos como terminou essa história. Com a única diferença de que os nazistas não tinham armas nucleares.

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ALDO BIZZOCCHIAldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.

Autor, pela Editora GrupoAlmedina, de “Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”

Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br

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