A fuga de cérebros do Brasil. Por Meraldo Zisman
O brain drain, ou fuga de cérebros, é um fenômeno que afeta países em desenvolvimento há décadas, mas no Brasil ele se manifesta de maneira ainda mais cruel…
A fuga de cérebros do Brasil não é apenas um fenômeno migratório; é um genocídio intelectual cometido em câmera lenta. Em um mundo onde o conhecimento é a nova moeda de poder, o país parece determinado a permanecer de costas para o futuro. Perdemos nossos cientistas, engenheiros e pesquisadores e tudo o que se ouve na mídia são polêmicas vazias, intrigas políticas e a interminável novela da corrupção. Enquanto nações desenvolvidas transformam suas mentes brilhantes em patrimônio estratégico, nós as exportamos gratuitamente para quem sabe valorizá-las.
A tragédia não é apenas a partida de talentos, mas o desprezo pela inteligência e o papel fundamental que o Brasil poderia desempenhar no cenário global se cuidasse melhor dos seus. O Brasil, por sua dimensão territorial, diversidade de recursos naturais e posição geopolítica, deveria ser uma potência científica e tecnológica, um polo de inovação capaz de atrair mentes brilhantes do mundo todo. No entanto, o que se observa é justamente o contrário.
Ao longo dos anos, a negligência com a educação, os cortes no financiamento à pesquisa e a instabilidade econômica vêm desestruturando qualquer possibilidade de uma carreira de sucesso. Cientistas brasileiros formados em universidades públicas de excelência acabam construindo carreiras brilhantes no exterior, enquanto os daqui lutam contra a falta de infraestrutura, de incentivos e de reconhecimento. Não é que o Brasil tenha um déficit de talentos; o problema é que não há um projeto de país que os retenha.
O brain drain, ou fuga de cérebros, é um fenômeno que afeta países em desenvolvimento há décadas, mas no Brasil ele se manifesta de maneira ainda mais cruel. Diferente de outras nações emergentes que conseguiram criar estruturas sociais favoráveis à ciência e à inovação, o Brasil parece assistir passivamente à saída de suas mentes mais brilhantes, como se isso fosse inevitável. O problema não é a busca por oportunidades melhores, mas sim a total falta de incentivo para que esses profissionais aqui permaneçam. Países como China e Índia, que também enfrentaram grandes fluxos migratórios de cientistas e engenheiros, compreenderam que o único caminho para reverter esse quadro era o investimento maciço em pesquisa, infraestrutura e colaboração internacional. Hoje, colhem os frutos de décadas de políticas inteligentes, que apoiaram e fizeram crescer seu potencial tecnológico.
No Brasil, a mentalidade de curto prazo impede qualquer avanço significativo. A mídia, refém do espetáculo e do sensacionalismo, dedica suas páginas a escândalos passageiros, ignorando o colapso do investimento em tecnologia e pesquisa. Não há espaço para o debate sério sobre os impactos da fuga de cérebros. O pensamento crítico tornou-se um incômodo, e a ignorância, uma forma de entretenimento. O Brasil poderia estar no centro das discussões sobre inteligência artificial, biotecnologia, transição energética e nanotecnologia, mas essas pautas raramente ocupam um lugar de destaque. As grandes corporações de mídia, dominadas por interesses políticos e econômicos, preferem alimentar distrações e manter a população distante de qualquer reflexão sobre a importância do conhecimento como ferramenta de poder. Afinal, um povo educado e informado não se contenta com migalhas.
Enquanto isso, a revolução tecnológica avança em ritmo acelerado. A inteligência artificial, a biotecnologia e a computação quântica estão remodelando o mundo, mas o Brasil segue na periferia da inovação, importando soluções em vez de criá-las. O conhecimento, que deveria ser tratado como estratégia de desenvolvimento, é sufocado por cortes de financiamento, burocracia sufocante e falta de incentivo. Os jovens cientistas enfrentam um dilema cruel: resignar-se à mediocridade ou partir. O talento que poderia gerar riqueza, inovação e progresso acaba reforçando o avanço de outras nações, que não precisam gastar um centavo na formação desses profissionais. Nós pagamos a conta e eles colhem os frutos.
O impacto dessa fuga vai além da economia. É um colapso cultural, um enfraquecimento da identidade nacional. Sem ciência, não há progresso. Sem inovação, não há soberania. Sem conhecimento, não há futuro. O Brasil, ao transformar a educação em um fardo, a pesquisa em um campo minado e a inteligência em um incômodo, condena-se ao papel de coadjuvante no palco global. O brain drain não significa apenas a saída de cientistas e pesquisadores; representa a desvalorização do saber e a falta de um horizonte para aqueles que poderiam estar construindo um Brasil mais forte. E enquanto tudo isso acontece, a sociedade segue adormecida, incapaz de perceber que, ao expulsar sua própria inteligência, está enterrando a possibilidade de construir um país digno, capaz de enfrentar qualquer desafio futuro.
Se quisermos reverter esse quadro, a hora de agir é agora. O conhecimento precisa deixar de ser um artigo de luxo e se tornar a base de um novo projeto nacional. Sem isso, continuaremos a ser apenas uma terra de promessas não cumpridas, um celeiro de jovens talentos que florescem longe daqui.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos maiores e pioneiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
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