Os dez primeiros dias

Trump subindo a escadaria

Dez dias se passaram desde que Donald Trump “subiu a rampa” da Casa Branca para seu segundo mandato. Falei em “subir a rampa” como linguagem simbólica. Bem mais antiga que nosso Palácio do Planalto, a sede do Executivo americano só tem uma rampinha lateral…

Os dez primeiros dias
Trump subindo a escadaria

Dez dias se passaram desde que Donald Trump “subiu a rampa” da Casa Branca para seu segundo mandato. Falei em “subir a rampa” como linguagem simbólica. Bem mais antiga que nosso Palácio do Planalto, a sede do Executivo americano só tem uma rampinha lateral construída em anos recentes. A entrada mesmo se faz pela escadaria, e é por lá que Trump subiu.

É praxe conceder a todo governante iniciante um armistício (ou paz provisória) de 100 dias para permitir-lhe mostrar a que veio. No entanto, pelos tempos frenéticos que correm – especialmente para um governante hiperativo como Trump –, os primeiros dez dias já deveriam mostrar uma tendência. De fato, mostram.

Meus argutos leitores já devem ter reparado que o novo presidente é mais destruidor que construtor, é mais de rasgar que de costurar, é mais de cuspir fogo que de apagar incêndios. Prestem atenção agora. Nestes dez dias, Trump já afrontou dezenas de países (com ameaça de sançôes e, principalmente, com expulsões de imigrantes clandestinos). Me digam se lhes ocorre, entre os países afrontados, algum que seja poderoso ou simplesmente importante.

Não encontraram? Nem eu. Mostrou ao vizinho México quem é que manda no pedaço, mas não se atracou com o vizinho Canadá. Está despachando, com espalhafato, trabalhadores imigrantes clandestinos da América Latina, mas não deu um pio quanto aos ilegais de origem chinesa ou indiana. Vociferou contra os povos mais frágeis do Oriente Médio (no momento, os habitantes de Gaza), mas não fez o mesmo contra Israel. Contra China, Rússia, Índia? Também nem um pio.

Vai ficando claro que Trump escolhe suas vítimas entre os mais fracos, nunca entre os mais fortes. Vai ficando também claro que o presidente se permite gastar dez dias fornecendo manchetes sensacionalistas para os jornais enquanto os verdadeiros problemas de seu país (e do mundo) passam ao segundo plano e continuam à espera.

Trump se preocupou com pessoas trans, assunto que apaixona todo político de extrema-direita, mas cuja discussão deveria ser confiada ao Congresso. Não faz sentido um chefe de Estado preocupar-se com esse tipo de problema de sociedade.

Trump retirou seu país da Organização Mundial da Saúde, abrindo a porta para que a China passe a dominar esse importantíssimo setor da vida do planeta. Também retirou os EUA da Organização Mundial do Comércio – seria cômico se não fosse trágico que o país responsável por uma fatia de quase 10% do comércio mundial renuncie a fazer parte da organização que trata desse assunto. De novo, a porta está escancarada para a China.

Adicione os gestos que acabo de mencionar. Só encontrará afronta a países menores e destruição de políticas estabelecidas de longa data. Destrói-se o que não agrada sem propor substituição, esse parece ser o lema.

Espera-se que o espetáculo ignóbil e indigno da deportação de trabalhadores estrangeiros pobres e algemados chegue rápido ao fim. Se não, em breve não mais haverá no país quem varra as ruas, quem lave a louça, nem quem limpe as latrinas.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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