desenhar - escrever

Desenhar com palavras. Por Paulo Renato Coelho Netto

Desenhar com palavras… Escrever é acomodar palavras em notas musicais. É enxergar caleidoscópios em cacos de vidro no asfalto…

Um desenho da cabeça de um homem com as palavras 'mente' nela | Vetor Premium

Se uma imagem vale mais que mil palavras, mil palavras valem uma boa história, um bom conto, um artigo ou um livro que pode transformar uma vida.

Escrever é um ato de coragem, uma provocação pública à indiferença. Na ausência de leitores, escrevemos para nós mesmos.

É vestir um escafandro para mergulhar no espaço.

Escrever é acomodar palavras em notas musicais.

É enxergar caleidoscópios em cacos de vidro no asfalto.

Escrever para mostrar a criança se alimentando de sobras de iogurte no lixão de Itaquaquecetuba.

Escrever para mostrar a fome aos deslumbrados, a injustiça para os magistrados, a esperança para quem chegou ao fim.

É descrever a casa a partir da metade do limão que escurece na porta da geladeira.

Escrever é a carta de adeus deixada sobre a fruteira para ser encontrada de manhã, na solidão da cozinha vazia, no dia escuro que amanhece para quem ficou e não queria deixar partir.

É trazer à tona ou entregar ao vento.

Escrever e reescrever dezenas de vezes.

É deixar vir.

Acomodar as palavras no lugar certo.

É eliminar excessos.

Escrever para iluminar a ingenuidade e soterrar a esperteza. Utopia.

Dar trégua ou vazão a si mesmo.

É colocar uma pedra no sapato de cromo alemão e na sandália com rubis.

Um ato solitário de somenos importância.

É vomitar a dor que neutraliza.

Induzir gargalhadas.

Lembrar o cheiro da goiaba vermelha para quem perdeu a memória da infância.

É receber seus melhores espíritos para uma festa e exorcizar os que nunca terão sua piedade. Certos mortos não merecem perdão.

Escrever é guardar tesouros intangíveis.

O ingresso carimbado para a Convenção Anual dos Insanos.

É ficar para ver enquanto todos fogem em pânico.

Ofício de contador de estrelas.

Escrever para ser reconhecido ou fuzilado em praça pública e deixar bem claro, antes de virar peneira, que faria tudo de novo, com tanta ou maior intensidade.

É jogar uma mensagem no túnel do tempo.

Escrever é ficar depois de partir.

Escrever de tal forma que desperte a ira do tirano, que acorde a consciência do indiferente e faça uma criança sorrir.

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paulo rena

Paulo Renato Coelho Netto –  é jornalista, pós-graduado em Marketing. Tem reportagens publicadas nas Revistas Piauí, Época e Veja digital; nos sites UOL/Piauí/Folha de S.Paulo, O GLOBO, CLAUDIA/Abril, Observatório da Imprensa e VICE Brasil. Foi repórter nos jornais Gazeta Mercantil e Diário do Grande ABC. É autor de sete livros, entre os quais biografias e “2020 O Ano Que Não Existiu – A Pandemia de verde e amarelo”. Vive em Campo Grande.

 

capa - livro Paulo Renato

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