Como se sente? Faz de conta que há um divã aqui. Pergunto, por vários motivos. Entre eles, porque sou curiosa, conversadeira, gosto de saber de você, de nós e, claro, veja que andamos todos parecendo aquela sirene de polícia girando a cabeça para todos os lados, tal quantidade de notícias brigando pela nossa atenção neste 2025.

Como se sente?

Percebo em minhas andanças que cada vez parece mais difícil encontrar com quem conversar, quem dê atenção, que não esteja olhando seu próprio umbigo ou a tela do celular. Temos dificuldade de trocar ideias que ultrapassem um minuto, e que não sejam fofocas, fatos perfunctórios, bobos, dancinhas ou milhões de solitários views. É uma estranha mistura de sensações e emoções que acabam guardadas em um canto.

Quem se mantém informado minimamente todos os dias se vê obrigado a guardar – mesmo que intimamente, na valiosa e indevassável liberdade do pensamento – a opinião, lado, aprovar ou não, repudiar, e pior sem nem bem saber como, sem se expor perigosamente. Muitas vezes silencia para não criar indisposição seja em família, com amigos, no meio social, no trabalho ou de quem depende, dada a expansão do ódio, vontades de ser do contra ou incompreensão total; fora o recrudescimento dos ataques às liberdades individuais e conquistas, assistidos no mundo todo. Dá para crer, inclusive, que é aí que reside o motivo de boa parte do crescimento do burburinho das redes sociais, onde o anonimato, a possibilidade de criar alteregos, apelidos ou fantasias vem revelando uma sociedade pra lá de esquisita. Esquisitérrima, no superlativo.

Então, agora, cá entre nós. Pergunto, me dirigindo a mulheres e homens, no geral. Como se sente? (Desculpe, e me poupe de usar aqui (o) ou (a), que essas perguntas vão muito além de qualquer gênero). Anda com medo? Do quê? Da violência que pode encontrar em qualquer esquina, até mesmo dentro de casa? Ou mais ainda de ser enganado, caindo e feito de idiota pela avalanche de mentiras, fake news, golpes cada vez mais elaborados e que podem nos pegar em um átimo de distração? Já foi pego por algum e ficou quieto para não ser tirado de otário? Acontece. Faz com que nos sintamos injuriados, burros, desprotegidos.

Perplexo? Espantado? Indeciso? Abismado? A política nacional, por exemplo, tem nos deixado assim uma grande parte do tempo nos últimos anos. E agora. Muitos de nós temos ficado bem chateados por ter acreditado que depois de vencer o anterior horror total, nos últimos dois anos com o novo governo ainda estarmos sendo sobressaltados com fatos que julgávamos transpostos. Como fraqueza, chantagens aceitas à luz do dia, decisões atabalhoadas, e muitas indecisões e inoperância. Pior: falta de opções à vista no horizonte. Dependência de decisões de “xerifes” juízes para tudo, a que se recorre para o restabelecimento; e muitas vezes até este é impositivo, duvidoso ou certamente descumprido. Tudo muito concentrado.

Acredite, somos muitos: com sentimentos bem comuns para quem não tem bandeira, não fecha os olhos, tem algum bom senso, não segue dogmas radicais e ultrapassados. Chama também desilusão. Tira a capacidade de planejamento, muda nossa condição econômica, nos deixa confusos com medidas que quando estávamos começando a entender são sobrepostas por outras. Vemos cada vez mais os ricos mais ricos, e pobres mais miseráveis, tudo diante de nós – grande parte espremidos e achatados numa classe chamada média.

E assim, cansados, ainda temos de tirar um tempo para o futuro, além do bambolê girando no dia a dia de extremos para tudo quanto é lado, seja no clima, nas relações, no planeta conturbado que treme e teme o que virá do poder nas cada vez mais poderosas mãos que assumem o comando seja onde for.

Repito, somos muitos. É bom que saiba.

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– MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano, Coleção Cotidiano, Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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