O cessar fogo entre Israel e o Hamas. Por Rui Martins
Cessar fogo…A sequência desse acordo parece extremamente frágil, assim como as últimas tratativas antes do domingo, quando estão previstas as primeiras libertações de reféns israelenses.
Diante da divulgação do acordo de cessar fogo entre Israel e a organização islâmica Hamas, governante da Faixa de Gaza, o teletexto da televisão suíça RTS publicou: “o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica do Irã saudou uma vitória para os palestinos e uma derrota ainda maior para Israel”. Mas as demonstrações de alegria e júbilo demonstradas pela população de Gaza ao anúncio do cessar fogo, talvez mostrem terem sido vítimas de um projeto insensato do Hamas, no qual não se previu a violência da resposta israelense.
Não cabe aqui uma discussão filosófica ou política sobre os conceitos de vitória ou derrota, mas apenas uma constatação prática – depois de 470 dias de guerra, a Faixa de Gaza foi destruída, morreram 46 mil pessoas segundos os cálculos do próprio movimento Hamas, mais de 135 mil, segundo cálculos da ONU levando em conta as mortes ligadas à situação de guerra na região, e, de acordo com rumores sobre exigências do novo secretário de Estado norte americano Marco Rubio, está a de se privilegiar a Autoridade Palestina da OLP, no controle da região de Gaza, e não mais o Hamas, após o cessar fogo ou, um pouco mais além, após o fim dessa guerra.
Ainda no fim do ano, o secretário-geral da ONU deplorava a situação existente na região de Gaza, transformada num cemitério para as crianças e clamava pela necessidade urgente de um cessar fogo humanitário.
Há uma semana, o comissário-geral da ONU, Philippe Lazzarini, responsável pela administração da UNRWA, agência onusiana encarregada da proteção dos refugiados palestinos, publicou um alerta, no The Guardian, reproduzido por outros jornais, alertando quanto às consequências do fechamento da sede da entidade, considerada fora da lei e acusada de cumplicidade com o Hamas. Isso significa, sendo ele, o abandono do apoio à população palestina em Gaza e fechamento das escolas.
Um relatório hoje divulgado afirma serem necessários 15 anos para se reconstruir Gaza a um custo de 50 bilhões de dólares.
O acordo de cessar fogo prevê uma trégua de sete semanas e a libertação pelo Hamas de 33 reféns, seguindo-se uma libertação gradativa dos 61 outros, retidos nos subterrâneos ou com famílias palestinas. Em contrapartida, Israel libertará cerca de mil palestinos presos.
A sequência desse acordo parece extremamente frágil, assim como as últimas tratativas antes do domingo, quando estão previstas as primeiras libertações de reféns israelenses.
Uma boa interpretação sociológica e política deste momento atual é dada pelo livro Le Bouleversement du Monde – l´Après 7 Octobre, do professor Gilles Kepel, ex-Sciences Po, de Paris. De origem tcheca, tendo aprendido o árabe, viveu anos no Oriente Médio e publicou 18 livros, dedicados inicialmente ao islamismo e às paixões religiosas responsáveis pelo ataque do 11 de setembro, em Nova York, e pelo massacre dos jornalistas do jornal satírico Charlie Hebdo.
Kepel foi dos primeiros a denunciar a islamização da esquerda e, no seu último livro, trata da emergência do Sul Global. Para ele, o pogrom ou razzia cometido pelo Hamas levou à hecatombe dos palestinos em Gaza e, nestes meses de guerra, revirou a ordem mundial consequente da Segunda Guerra Mundial. Kepel discute como a extrema esquerda do “woke” e do Sul Global se confundem numa polarização identitária com o populismo de extrema direita, enquanto o termo “genocídio”, usado para designar o crime do qual foram vítimas os judeus, passou a ser usado contra Israel.
Talvez essa a única “vitória” do Hamas na guerra que desencadeou, sem imaginar que provocaria o sacrifício do seu próprio povo palestino: a de ter relançado nos nossos dias o ódio religioso antissemita dos séculos passados contra os judeus.
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DIRETO DA SUIÇA
- Rui Martins também está em versão sonora no Youtube, em seu canal –
https://www.youtube.com/@rpertins
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