PERIGOS PRAIA

Perigos…O Estadão bolou uma ferramenta interativa que indica as praias mais perigosas do estado de São Paulo. Curioso, fui ver o que era e como funcionava. Nada a reclamar contra a ideia nem quanto ao mecanismo. Só que o perigo não era o que eu tinha imaginado. A ferramenta não alerta contra tubarões, medusas, vórtices ou contaminação química…

PERIGOS PRAIA

A foto que ilustra este artigo mostra, ao fundo, uma beira-mar de águas cinza chumbo, um dia de pouca luz, uma praia sem sequer uma palmeira para abrigar os frequentadores nos dias de calor. Em primeiro plano, ocupando 4/5 da fotografia, um apinhado de espigões de concreto armado, dando um toque de “exotismo” ao todo.

O ser humano é animal terrestre. Caminhar no chão seco é com ele mesmo. Já se meter na água é outra história. Para nós, a água é, por natureza, um mundo estranho e cheio de perigos.

Não sei se são justamente esses perigos que atraem homens, mulheres e pequerruchos; assim que chegam os dias mais quentes, correm todos para as águas mais à mão: banho de cachoeira, passeio de barco (ou jet-ski para os afortunados), banho de mar – ainda que na orla estejam plantados mil espigões de concreto.

Tirando os mais excêntricos – e mais abonados –, poucos se animarão a fazer uma viagem de avião para um banho de cachoeira na África tropical. São menos ainda os que voarão para um passeio de jet-ski nas águas da Laguna de Veneza. Já os banhos de mar estão ao alcance de mais gente. Quem pode, não hesita.

Entre as primeiras providências, estão aquelas que nos protegem contra os perigos que a proximidade das águas representa. Bloqueadores de UVs indesejados. Repelentes contra mosquitos, muriçocas e pernilongos. Escolha de praia livre de perigosas correntes, torrentes, borbulhões, correntezas e rodamoinhos. Escolha de praia distante da foz de rios e riachos que possam estar contaminados.

No mundo todo, praias são lugares potencialmente perigosos. Dependendo da natureza do perigo, as autoridades fazem a lista dos riscos que cada ponto representa. Há praias com crocodilos, com imensas aranhas passeando pela areia, com medusas venenosas colorindo o mar, com tubarões farejando pernas apetitosas. Há praias contaminadas com mercúrio, com coliformes fecais, com material radioativo residual.

Painéis costumam ser fincados em atenção a banhistas arrojados: “Não nade aqui!”, “Poluição química!”, “Cuidado, medusas!”. É assim por toda parte. Em cada lugar, os perigos locais são anunciados. É natural. O visitante não é obrigado a saber tudo.

O Estadão bolou uma ferramenta interativa que indica as praias mais perigosas do estado de São Paulo. Curioso, fui ver o que era e como funcionava. Nada a reclamar contra a ideia nem quanto ao mecanismo. Só que o perigo não era o que eu tinha imaginado. A ferramenta não alerta contra tubarões, medusas, vórtices ou contaminação química. O objeto do estudo é a presença da criminalidade nas praias.

Criminalidade nas praias! Algumas décadas atrás, essa expressão só poderia referir-se a roubo de toalha: “Se for entrar no mar, não deixe sua toalha sem ser vigiada”. O pior que podia acontecer era o cidadão, ao voltar, ter o desapontamento de descobrir que sua toalha havia batido as asas.

Já hoje a criminalidade perdeu a ingenuidade. Se o honesto cidadão tem direito a férias, a bandidagem também tem. Por coincidência, os dois grupos de população escolhem as mesmas praias. Como resultado, o meliante continua exercendo seu ofício mesmo durante os períodos de recesso enquanto o honesto cidadão, durante as férias, continua a correr de bandido.

Faz sentido. Todos se sentem em casa e a vida segue.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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