A farsa do Ano Novo. Por Meraldo Zisman
… O “Feliz Ano Novo” é uma farsa cruel, um gesto preguiçoso que perpetua a inércia. Não o fazemos por esperança genuína, mas por medo…
Todo ano, repete-se a mesma encenação: fogos de artifício, abraços mecânicos e promessas vazias. “Feliz Ano Novo!”, dizemos, como se essas palavras tivessem o poder mágico de transformar o mundo. É pura ilusão, uma mentira que insistimos em perpetuar. O calendário avança, mas o caos permanece. Guerras devastam nações, crianças choram de fome e o desemprego avança como uma lâmina cortante, enquanto o mundo se curva à automação que rouba perspectivas de futuro. Celebramos o quê, afinal? A repetição interminável dos mesmos erros?
Dançamos sobre um palco de cinzas. A fome, esse câncer moral, persiste em atormentar os menos favorecidos, enquanto nos empanturramos em jantares comemorativos. As guerras não fazem pausas para os fogos nem para os brindes. A solidão devora vidas num silêncio rompido apenas pelo estrondo dos fogos, escondida sob a máscara das selfies e redes sociais, que amplificam o eco do vazio. A tecnologia, antes alardeada como salvadora, revelou-se uma arma de dois gumes: trouxe progresso, mas também ansiedade, alienação e novas formas de violência. Apesar disso, erguemos nossas taças como ingênuos, acreditando que espumantes e clichês nos salvarão da ruína. O “Feliz Ano Novo” é uma farsa cruel, um gesto preguiçoso que perpetua a inércia.
Não o fazemos por esperança genuína, mas por medo — medo de encarar o monumental fracasso de nossas ações ou, pior, da nossa omissão. A busca pela felicidade tornou-se um ato automático, um placebo que anestesia nossa consciência. Mas o que há para comemorar? Que nome, damos a essa celebração de delírio coletivo? Um brinde à mera sobrevivência, ao adiamento da mudança ou ao conformismo patético que nos aprisiona no ciclo da destruição?
A verdade é evidente: somos reféns do comodismo. O “Feliz Ano Novo” é um dos artifícios que usamos para justificar nossa apatia. É uma máscara que esconde nossa preguiça moral, um subterfúgio para evitar o esforço árduo de alcançar uma vida melhor. Enquanto o mundo desmorona, dançamos sobre os escombros, recusando-nos a encarar a urgência do momento. A felicidade não é um acaso: ela se constrói. Construir uma sociedade melhor exige coragem, sacrifício e ação concreta — virtudes que a humanidade insiste em negligenciar.
Chega de teatro. É hora de abandonar os votos automáticos e as celebrações hipócritas. O mundo não carece de mais frases feitas, mas de indivíduos dispostos a enfrentar a realidade e agir para consertar o que está errado. Que o próximo ano não seja de conforto, mas de incômodo; que seja um ano de rupturas e verdades difíceis, capazes de impulsionar mudanças reais.
Deseja um “Feliz Ano Novo”? Faça-o acontecer e reserve a comemoração para quando houver algo genuíno a celebrar. Até lá, brindemos ao desconforto — pois somente ele pode nos salvar.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos maiores e pioneiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Alvaro Ferraz.
Relançou – “Nordeste Pigmeu”. Pela Amazon: paradoxum.org/nordestepigmeu
Uma reflexão de quem é sábio… Realmente, entra ano e sai ano… e ficamos a esperar em algo novo, e depende de cada um de nós… e vou mudando… tentando ser uma pessoa melhor… que eu possa entender o outro… de coração desejo FELIZ ANO NOVO!! Sigamos com Fé e Coragem. À Vida! E sou agradecida por vencer os obstáculos do ANO VELHO!
Caro Dr. Meraldo,
MAGNÍFICA crônica! Tem a minha ‘integral concordância’. Farei uso de uma linguagem coloquial para justificar a mesma. Acrescento, ainda, os sorrisos de mofa, os tapinhas nas costas, os abraços de urso, o amigo secreto secreto ó secretíssimo, tudo regado aos belos votos descritos em sua crônica.
E, em nome do usufruir do bom espumante ou do champanhe gratuitos, onde se achegam, também, os ‘amigos’ que passaram o ano todo sem nos dar um alô sequer.
Realmente, UM FELIZ ANO ! Mas, para quem, mesmo?