inocente- culpado

Quando ninguém é inocente. Por Aldo Bizzocchi

… um motivo tão fútil e banal nos mostra que nessa história trágica todos perderam (inclusive a vida) e ninguém era inocente.

inocente - culpado

Nesta última terça-feira, dia 03/01/2025, foi divulgado que o jogador de futebol amador Kauan Galdino Florêncio Pereira, de 18 anos, baleado na cabeça após pisar no pé de um traficante de drogas num baile funk em Queimados, na Baixada Fluminense, teve morte cerebral.

Que lições tiramos desse fato? Primeiro, que para os criminosos a vida humana não vale nada. Mas disso já sabíamos. Assim como sabemos que pancadões, batidões e bailes funk são frequentados pela nata da marginalidade, logo não são locais recomendáveis a pessoas de bem, mesmo que pobres e periféricas.

Segundo, que boa educação e gentileza não ocupam espaço. Se eu pisar no pé de alguém — ou mesmo se não pisar, mas a pessoa achar que eu pisei —, minha reação natural é pedir desculpas. Mas o jovem Kauan não fez isso. Ao contrário, desentendeu-se com um desconhecido que, pelo simples fato de estar naquele local, coisa boa não deveria ser. Terminou baleado e morto. Ao que consta, o próprio assassino do jovem também foi morto dias depois por ordem do Comando Vermelho, que não quer uma investigação policial em seus domínios.

Parece uma história de final trágico em que ninguém tinha razão. Bailes funk são locais de intensa aglomeração de jovens pobres, que se misturam a marginais (ladrões, assassinos, traficantes), prostitutas, menores aliciados, onde há farta distribuição e consumo de drogas, circulação de carros e motos roubadas, corrupção policial e até disseminação de doenças. Pancadões bloqueiam vias públicas, cerceiam o direito de ir e vir de motoristas e transeuntes, cerceiam com o barulho o direito de dormir de trabalhadores que moram nas proximidades, atraem furtos, assaltos e outros crimes para suas redondezas, além de uma série de outras mazelas. Não são, definitivamente, lugar de gente de bem.

Por outro lado, um pisão é um acidente que pode ocorrer em qualquer aglomeração. Relevar o fato por parte da pessoa pisada e desculpar-se por parte da pessoa pisadora fazem parte dos princípios de civilidade e urbanidade que qualquer cidadão deveria ter — mas os frequentadores desses eventos geralmente não têm.

Por fim, atirar na cabeça de um jovem cheio de planos (ser futebolista profissional e paraquedista das Forças Armadas) por um motivo tão fútil e banal nos mostra que nessa história trágica todos perderam (inclusive a vida) e ninguém era inocente.

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ALDO BIZZOCCHIAldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.

Acaba de lançar, pela Editora GrupoAlmedina,

“Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”

Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br

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