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Ufa. Calcinhas. E as promessas? Por Marli Gonçalves

Elas, as promessas feitas no fim do ano, parecem fantasmas que ficam nos perseguindo todos os 365 dias que foram ou os que virão; disso não fugimos, até porque novamente faremos outras. Todo dia a gente lembra de alguma sondando, que fez e, puxa, não deu para cumprir. Aí logo disfarça, espirra, sai com pressa, esquece, sei lá, garante que ano que vem, ah, o ano que vem…

promessas calcinhas

Ninguém obriga, mas a gente teima. Nem bem dezembro chega e lá estamos nós pensando no ano que vem, nos sonhos que temos, começamos a fazer os planos – e eles são ousados. As promessas. Ainda tem de pensar no que vai fazer durante a passagem, naqueles momentos, que cor vai usar – (tem o mito da calcinha, até repito abaixo, leia,  um texto meu de dezembro de  2008, “Uma Questão de Calcinhas”,  que continua incrivelmente atual e que cheguei a pensar como título de um possível e sonhado livro só de crônicas) – , se vai pular ondas, dormir, sair andando com uma mala em volta do quarteirão, beber muito, ou  meditar, ver fogos espocando, se sozinho ou no meio de uma multidão.

Pensa com força, acende velas, procura simpatias, algumas até bem difíceis de encontrar os ingredientes. Todo mundo fica meio esotérico nessa época, por mais que negue. Amarra fita aqui, ali, compra lentilha, romã. Esquece o coitado do frango que cisca pra trás.

Agora já passou a religiosidade que assola o período de Natal, familiar, todos bonzinhos e amorosos. Agora é meio que a hora de uma certa esbórnia. A gente praticamente se obriga a estar otimista, radiante, feliz, e cheio de caprichadas esperanças e promessas. As tais das quais lembraremos ou mesmo esqueceremos até uma segunda ordem.

Mais do que os meses de verão ou de carnaval, dezembro é cansativo porque acumula muita coisa, de alegrias a decepções, de afazeres a pontos finais, compromissos obrigatórios e em geral muito chatos, encontros antes desmarcados, ver amigos, reunir a turma de algum lugar, seja da firma ou da vida. Mandar e responder mensagens, ficar feliz em ser lembrado, triste e preocupado quando esquecido.

É ufa atrás de ufa até aquela meia noite que vai chegar, e todos têm de estar a postos para a contagem regressiva, o relógio mais acertado que o de nossos aniversários.

Pronto, passou, e seguimos adiante com os fantasmas, as promessas e os planos para viver o início do quarto de século 2000.

Feliz 2025, meus queridos leitores, amigos, apoios, amores. Prometam que continuaremos juntos dia após dia.



Uma questão de calcinhas

O que a cor de uma calcinha pode mudar? O mundo, de uma hora para outra. Aceita sugestões?

Calcinha amarelo-ouro, dinheiro. Vermelha, paixão. Rosa, amor. Branca, paz. Verde, para conter o desmatamento da Amazônia. Azul, para o controle do aquecimento global e o derretimento das geleiras. Laranja, para não pegar gripe o ano inteiro. Lilás, para o equilíbrio das forças mentais e espirituais. Roxa, para que a Lei Maria da Penha seja aplicada com mais rigor e rapidez neste país. Dourada, para ter mais glamour na vida social. Prateada, para atrair bons negócios ou grisalhos dispostos, o que também é bom. Marrom, para não ter medo do futuro. E preta, bem, a preta, sei lá, para combinar com o sapato. Ou em protesto. Nunca falta contra o que protestar.

Sempre soube, acompanhei e admirei a importância das mulheres e das calcinhas na história do mundo, principalmente do poder que emana daquilo que as calcinhas cobrem, ocultam ou protegem. Não duvido que tenha a ver, a cor das calcinhas, a passagem do ano, e o que queremos dele. Mulheres são bruxas cheias de magia. Calcinhas podem ser objetos poderosíssimos, verdadeiros talismãs. Quando vestidas, quando despidas, quando vislumbradas, entre luzes e sombras.

Todo ano é a mesma coisa. Além de tantas coisas para fazer, arrumar, balanços, de vida e de dívidas, pensar, desejar, projetar, dar, dividir, confraternizar, ainda é preciso decidir: que cor de calcinha usar na passagem do Ano? Ou melhor, qual o pedido que tenho para fazer? E para quem é esse pedido? Um santo especial das calcinhas? Um orixá tarado? Santo Wando? Pior, tem de ser calcinha nova, em folha.

Quem inventou isso? Quem foi o gênio?

Essa dúvida cruel já me levou há alguns anos a passar sem nada, nadinha. Recordo-me que foi muito bom e que aquele ano seguinte passou leve, com algumas coisas boas. Mas era uma situação específica e, admito, estava numa praia de nudismo do Nordeste. Minha avó paterna era índia e é nessa hora de verão, de calor, que vejo que não nego meu sangue – detesto usar muita roupa e andaria nua sem problemas e, juro, da forma mais natural possível, se é que isso um dia o será.

Desde muito garota, sem qualquer influência direta, sou fascinada pelas vedetes, pelas pinups, pelas estrelas de cinema, as divas nuas e suas biografias exóticas e eróticas. Uma das minhas ídolas, assassinada cruelmente aos 50 anos de vida, é a bailarina, naturista e uma das primeiras feministas brasileiras, Luz del Fuego, linda, cabelos compridos, baixinha mignon, que se apresentava seminua com uma ou às vezes duas jiboias enroladas no corpo. Luz Del Fuego escandalizou toda uma época, sem calcinhas. “Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder”, dizia. Fundou até um partido político, o Partido Naturalista Brasileiro. O máximo! Luz Del Fuego abalou o Rio de Janeiro; e mostrou, principalmente ao Brasil, que muitas Leilas Diniz ainda nasceriam, ainda bem.

Outra vez que me recordo e que adorei ter sido do contra – foi quando saí vestida toda de negro no mar branco das multidões ferventes e esperançosas das areias da praia de Copacabana, em plena passagem de ano. Sinceramente, acho um saco essa obrigação de usar branco, e essa quase obrigação que todo mundo se impõe, de se arrastar para fora das cidades. Tudo bem que o ano que vem será regido pelo Boi, mas espero que as pessoas não confundam com andar em manadas, até perigoso se começa.

Mas falávamos de calcinhas! O calendário vai girar e é preciso mesmo decidir a cor da calcinha da virada. Que frase bonita: a cor da calcinha da virada! Quem dera haja uma virada, hein? Você quer amor ou paixão? Tranquilidade, rotina ou aqueles tremores irresistíveis? Sugestão: há uma variação na aquarela, do rosa claro ao vermelho, passando pelo matiz do rosa-choque. Ótimo: rosa choque. Você usa e lhe aparecerá em 2009 uma paixão constante, um amor que não acabará nunca e junto de um desejo daqueles, de calor, de querer, só de chegar perto, de ouvir a voz. Esse é o melhor amor que tem. Pode durar dezenas de anos, uma vida, onde quer que esteja.

Quer paz, inclusive no Oriente Médio? Use a branquinha. Pode ser aquela branquinha com estampas de flores vermelhas, em homenagem ao sangue de tantos mortos dessas guerras absurdas, de todos os lados, que irrompem tenebrosas antes dos fogos de artifício que esperamos tanto.

Mais uma sugestão, última moda, que vou lançar agora e espero que pegue, até porque andam inventando um tal de Fundo Soberano, e temo que seja o nosso: para quem deseja dinheiro, que tal a calcinha amarela, com detalhes em dourado, com uma nota de dólar ou euro presa com um lacinho? Alguns homens não usam, nas cuecas, para embarques e desembarques em aeroportos? Um luxo, igual nhoque da sorte dos dias 29 de cada mês. Calcinha é mais quente; irradia melhor. E dá para repetir, digamos, todo dia primeiro do mês. Quem sabe se a gente se concentrar bem, não dá certo?

Enfim, outra ideia, na falta de conseguir decidir, seria usar logo uma calcinha arco-íris. Tudo bem, você corre o risco de atrair pessoas do mesmo sexo junto com tudo o que cada cor significa, mas e daí? Sempre há tempo para experimentos nestes próximos 365 dias, sei lá.

São muitos dias pela frente para enfrentar, para torcer, para vencer. Nas manhãs, de todos eles, antes de sair, no mínimo você vai pensar em que calcinha, que cueca, que meia, que cor, que tecido, que charme. Tomara que você tenha tempo e leveza para isso. Se tiver é que estará dando tudo certo em 2009.

Marli Gonçalves, jornalista, ainda não resolveu a cor da calcinha deste ano. E ainda está precisando resolver também a cor das paredes do apartamento para onde vai mudar, assim que resolver.

(São Paulo, fim de dezembro de 2008)


marli -out - – MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano, Coleção Cotidiano, Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.

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