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Insegurança pública e suas consequências letais. Por Antonio Cláudio Mariz de Oliveira

Insegurança pública…A Polícia Militar de São Paulo não pode ter sua gloriosa trajetória maculada pelo estigma de ser uma corporação que mata inocentes…

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PUBLICADO ORIGINALMENTE NO ESTADÃO, EDIÇÃO DE 21 DE DEZEMBRO DE 2024

As forças que seriam de proteção social estão provocando eventos letais. São crianças, jovens, negros e pardos em sua maioria, velhos, trabalhadores, mulheres mães e avós que perdem a vida mesmo estando distantes do crime e sem terem participado de confrontos policiais. As mortes de uma criança em Santos e de um estudante desarmado em São Paulo, de um homem morto pelas costas e o abominável lançamento de alguém de uma ponte são as mais recentes tragédias. Segundo noticiou O Estado de S. Paulo, a Polícia Militar (PM) vitimou 496 pessoas no corrente ano.

Por que as forças de segurança, em nome do combate ao crime, estão matando? Os defensores das ações violentas dirão que são contingências inevitáveis desse combate. Será? Claro que não.

Chegou a hora de respostas, assunção de responsabilidades, mudanças estruturais, de estratégia e consciência de que nada é mais relevante do que a vida do ser humano. Nada, absolutamente nada, justifica pô-la em risco, muito menos atingi-la.

Deve-se examinar o caráter militar da PM, antiga Força Pública. Lembre-se de que até a década de 1960 havia duas corporações fardadas em São Paulo: a Força Pública e a Guarda Civil. A primeira ficava praticamente aquartelada para intervir em situações de convulsão coletiva. Já a Guarda tinha a missão de proteger e amparar o cidadão.

Com o golpe de 1964, ambas se fundiram numa única polícia sob o nome de Polícia Militar. O seu primeiro comandante em São Paulo foi o então coronel João Figueiredo, futuro presidente da República. Esse foi o marco inicial da transformação do sistema de segurança estadual. Infelizmente a Constituição de 1988, em seu artigo 144, parágrafo 6.º, afirmou que a PM e o Corpo de Bombeiros constituem força auxiliar e reserva do Exército.

Há marcante distinção entre as corporações. As Forças Armadas devem atuar em defesa da Pátria e a PM deve prevenir e manter a ordem pública (artigos 142 e 144 da Constituição).

A atuação da PM nos moldes do confronto com o crime por meio da violência a coloca diante de um permanente dilema. Preservar a vida alheia sem pô-la em perigo, salvo nos casos de legítima defesa, ou colocar em risco a vida de qualquer pessoa por meio de violência indiscriminada.

A escolha pela segunda vertente coloca a sociedade em estado permanente de medo e de insegurança, pois encontra, de um lado, os criminosos e, de outro, a polícia, ambos impondo a violência. O grave é que a agressão é inerente à ação criminosa, mas não deveria marcar a conduta policial.

No entanto, essa tem sido a tônica de uma corporação destinada a trazer segurança, e não a gerar medo e apreensão. A sociedade sente-se desprotegida e em permanente estado de medo e de tensão. De um lado, os riscos inerentes ao crime e, de outro, as ameaças de uma atividade policial que vitimiza mesmo quem está alheio ao crime.

O caráter militar da PM e as consequências decorrentes justificam retirar essa fórmula da nossa Carta.

Outra ponderação se refere à chefia da PM. A hierarquia e a disciplina levam ao cumprimento rigoroso não só das ordens específicas, como da filosofia adotada para a conduta da tropa.

Em períodos de aumento da violência policial, como o atual, a voz de comando estimula as ações e encobre os excessos. Essa voz em São Paulo hoje emana não só dos quartéis, mas das sedes dos governos estadual e municipal.

Durante a campanha para a Prefeitura, viu-se a questão de a segurança ser tratada exclusivamente sob o ângulo da repressão. O aumento dos efetivos e mais armamentos foram a tônica. Nenhuma palavra sobre providências para combater as causas da criminalidade nem sequer o anúncio de planos para o policiamento preventivo. Aliás, a carência de policiais nas ruas é fato notório. Tenho a impressão de que a corporação entende que policiar as ruas representa diminuição de sua importância como “força auxiliar do Exército”.

A adoção da repressão como sinônimo de segurança pública, com desprezo à prevenção e às causas do crime, fez com que os candidatos à Prefeitura, em discursos e no horário eleitoral, se limitassem a pregar que municiariam a Guarda Municipal, dotando-a de mais armamentos.

Ora, adotaram essa postura enganosa e demagógica sem atentarem para a Constituição federal, que atribui àquela corporação a missão de proteger os bens, serviços e instalações dos municipais. Armar os guardas municipais além do necessário para cumprir aqueles objetivos é influenciá-los às ações violentas.

Os responsáveis pela chamada voz de comando, não só os ligados à corporação, como os que ocupam cargos de relevo nos Executivos estadual e municipal, deveriam ser chamados à responsabilidade, pois claramente incitam as tropas ao uso da violência.

Medidas radicais deverão ser adotadas, como desmilitarização da PM e até a limitação do número de policiais armados, entre outras, para tentar reverter o caótico e letal sistema de segurança que não protege, mas ceifa vidas. A Polícia Militar de São Paulo não pode ter a sua gloriosa trajetória maculada pelo estigma de ser uma corporação que mata inocentes.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado criminalista, da Advocacia Mariz de Oliveira. Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Conselheiro no Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e atuou como Secretário de Justiça e Secretário de Segurança Pública de São Paulo nos anos 1990. Foi presidente da AASP e da OAB-SP por duas gestões. 

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