Ode ao ódio. Por José Horta Manzano
…O ódio vence a ode em todas as categorias. A conclusão apressada seria que somos um povo que odeia mais do que aprecia. Será verdade? Já veremos. Pra cada menção de ode ao ex-presidente Lula, há 2 de ódio a ele. No caso de Bolsonaro, pra cada ode há 8 ódios…
Ode
A ode nasceu na Grécia antiga. Era o nome que se dava a um poema lírico destinado a ser cantado ou recitado com acompanhamento musical. Através do latim, o termo se espalhou por praticamente todas as línguas europeias, do finlandês ao português, com os devidos ajustes ortográficos.
Da mesma raiz grega, vêm outros parentes: paródia, melodia, prosódia, rapsódia, comédia, tragédia, odeon. Na origem, são termos técnicos ligados ao teatro antigo.
Com a evolução das artes cênicas, a palavra ode praticamente deixou de ser usada no sentido próprio; sobrevive no sentido figurado. Dizemos hoje que uma manifestação exaltada de elogio ou de apreço por algo ou por alguém é uma ode. Ex: “Este seu texto é uma verdadeira ode à Bahia!”
Ódio
Apesar da semelhança sonora, o ódio tem significado oposto. É antônimo de amor. Derivada de raiz indoeuropeia com sentido de repulsão, a palavra nos veio pelo latim. Portanto, ode e ódio são termos que traduzem estados de espírito antagônicos.
Fiz uma rápida pesquisa no Google. Bem, pesquisa no Google vale o que vale, não convém tomar como verdade científica. Mas é o que temos.
Tomei alguns conceitos básicos e conferi quantas vezes cada um deles é mencionado quando acoplado com a palavra “ode”, em seguida com a palavra “ódio”. O resultado está aqui abaixo. (Número de menções dividido por 1000.)
Conceito Ode Ódio Relação
Lula 1.520 3.010 2 pra 1
Natureza 2.010 9.950 5 pra 1
Beleza 1.850 9.470 5 pra 1
Ciência 1.250 8.060 6.5 pra 1
Estudo 1.170 8.250 7 pra 1
Bolsonaro 558 4.480 8 pra 1
Dinheiro 1.530 12.700 8.3 pra 1
Inteligência 360 3.370 9.5 pra 1
Corrupção 233 3.330 14 pra 1
Rápida análise
O ódio vence a ode em todas as categorias. A conclusão apressada seria que somos um povo que odeia mais do que aprecia. Será verdade? Já veremos.
Pra cada menção de ode ao ex-presidente Lula, há 2 de ódio a ele. No caso de Bolsonaro, pra cada ode há 8 ódios. O conjunto até que faria sentido. Comparado com Bolsonaro, qualquer um parece coroinha – até o Lula.
Pra cada ode ao dinheiro, há uma baciada de ódios, numa razão de 8.3 ódios x 1 ode. Esse item é difícil de entender. Será que o povo brasileiro tem assim tanto ódio ao dinheiro? Vamos ver.
Há 6.5 que odeiam a ciência contra 1 que a exalta. Esquisito? É. Parece que tem ódio demais nessa conta. E a beleza então? O ódio à beleza dá de 5 x 1 na ode.
No item corrupção, é compreensível que 14 menções ao ódio apareçam para cada menção à ode. Já no item inteligência, é muito esquisito ver tanto ódio (14 x 1) contra ela. Será que já chegamos ao ponto de odiar a inteligência?
Conclusão final
Não dá pra acreditar que o ódio domine, a esse ponto, o panorama do brasileiro. Esses números, com poucas exceções, mostram que há uma distorção em algum ponto.
Refletindo um pouco, acho que não precisa se aprofundar em nenhuma análise sociológica. A razão dessa predominância do ódio em nossa terra é muito simples: a maior parte dos brasileiros desconhece a palavra ode. Não conhecendo, não a utilizam. Está aí a razão da aparente predominância do ódio.
Elementar, meu caro Watson.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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