Detetive particular, um caso. Por Antonio Contente
…Terminando de contar o detetive me olhou e perguntou se a história não tinha a grande emoção de eu necessitava, como repórter. Respondi que mais ou menos…
Segundo alguns entendidos o pai de todos os detetives particulares foi Auguste Dupin, arguto investigador policial criado por Edgard Allan Poe (1809-1849) para deslindar os mistérios algo arrepiantes inseridos em sua famosa obra “Assassinatos da Rua Morgue”, publicada em 1841. Isso me passou rapidamente pela cabeça naquela tarde do começo dos anos 70 em que, cumprindo pauta de jornal, saí para a praça da Sé a fim de achar algum Sherlock Holmes tupiniquim para dele traçar o perfil para a Última Hora de domingo, publicação de existência breve que tinha certo viés de revista. A profissão na época ainda conservava resquícios de amadorismo aqui no Brasil, mas recebi a dica de que em certo prédio localizado na rua que passa ao lado esquerdo da Catedral encontraria alguns profissionais que se haviam especializado em fuçar a vida alheia mediante encomenda.
Não foi difícil localizar o personagem de que necessitava. E ao subir pela escada (elevador quebrado) para o terceiro andar da velhíssima construção, algo me deu a certeza de que iria encontrar alguém com as características de Philip Marlowe, o detetive criado por Raymond Chandler, Philip Marlowe (1888-1959), ou de Sam Spade, celebrizado no “Falcão Maltês”, de Dashiell Hammet (1894-1961). Camarada a exalar certo ar displicente, cigarro sempre no canto da boca, leve cheirinho de álcool no instante em que abrisse a boca e a certeza de que, no mundo, ninguém mais precisava tanto de um dinheirinho quanto ele.
Ao chegar diante da porta com vidro opaco onde estava escrito o nome do investigador, obedeci à plaqueta que mandava entrar sem bater; então dei de cara com alguém a confirmar todas as minhas expectativas. Nas paredes em torno vi prateleiras tomadas por inúmeros livros descuidadamente colocados; em mesinha ao lado da principal, jornais e revistas amontoados denunciavam que ninguém arrumava há algum tempo. Rapidamente expliquei o que pretendia, ao que o homem suspirou, batendo o cigarro no cinzeiro a transbordar baganas de Continental sem filtro:
— E eu pensei que fosse um cliente…
Depois de meia hora de papo, procurei ser veemente afirmando que precisava que ele me narrasse um caso realmente empolgante, em que tivesse empenhado todo seu esforço e gasto até a última gota do cálice de sua argúcia para investigar vasto problema que solucionou.
Antes de responder ele levantou, abriu um armário com as dobradiças implorando por gotas de óleo, e retirou uma garrafa de conhaque barato. Serviu-se sem se importar com minha recusa em também beber, matou a dose de um tapa, e, voltando a sentar, fincou os cotovelos na mesa:
— Quem mais me procura são pessoas desconfiadas que estão sendo traídas. Maridos, esposas, namorados, namoradas, amantes…
Olhando firme nos meus óculos seguiu contando que, certa fria manhã de junho, logo que se iniciara na profissão, foi procurado por um senhor. Que, muito prático, não fez rodeios. Pegou duas fotos de mulheres, colocou sobre a mesa e apontou:
— Esta é minha esposa, e essa outra minha amante. Desconfio que as duas me traem.
A seguir escreveu, com caligrafia fina e precisa, os dados necessários para que o detetive agisse. Isso posto pegou a carteira, retirou algumas cédulas para adiantamento e se foi.
Após um mês de investigações o profissional ligou para o cliente chamando-o, pois havia resolvido o caso. Logo o senhor entrou, sentou, juntou as mãos para soltar um sussurrado “e então”? O detetive pegou em uma velha pasta algumas folhas de papel cuidadosamente datilografadas. Ao entregar, acentuou, após acender um cigarro:
— O senhor se equivocou quanto à sua amante, ela não tem ninguém. Já sua esposa o está traindo com um comerciante turco da 25 de Março.
Ouvindo o veredicto, o senhor levantou as mãos pro alto, ao dizer:
— Só minha esposa? Graças a Deus…
Terminando de contar o detetive me olhou e perguntou se a história não tinha a grande emoção de eu necessitava, como repórter. Respondi que mais ou menos, ao que ele abriu os braços:
— A emoção maior é que me apaixonei pela amante do cara, dei um jeito de encontrá-la, namoramos, casamos e tivermos dois filhos. Tempos depois, desconfiei e investiguei. Ela estava me traindo exatamente com o ex-amante que um dia me procurou…
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.