Água, água, água…Por Antonio Contente
… ao me convidar para feijoada de fim de semana, levantou o dedo diante da minha afirmação de que eu não comia tal iguaria:— Nunca, meu caro, diga “desta água não beberei”. Pois um dia, com uma baita fome e sem outras alternativas…
Poucos elementos são tão presentes na vida do homem quanto a água. Basta lembrar que até nosso corpo é formado em grande medida por ela e, no planeta Terra, a quantidade da parte líquida supera em larga dimensão a sólida. Quero, com este texto, buscar, como se poço artesiano cavasse nos planos da imaginação, a presença da água em coisas que você até pode conhecer no geral, mas só recordará através destas linhas. Há um verdadeiro oceano sob seus pés, sabia? É um aquífero subterrâneo (o Guarani) a se mover a todo instante esteja você a derrubar um “tea for two” n’algum lugar, em reunião no Palácio dos Jequitibás, protestando contra o governo no Largo do Rosário ou até numa igreja em devota oração. No jardim ou na entrada da sua casa há um reloginho, não há? Pois é, e o que a Sanasa, empresa que cuida do H2O em Campinas, faz lá? Mede, para cobrar, aquilo que você usa no seu banho, comida, escalda pé, refresco ou na pedra do seu uísque. Porém, vamos descobrir como o chamado “precioso líquido” rola pelos caminhos das ironias, sutilezas e, até, nos bons rasgos de inteligência.
Comecemos lembrando que quando um determinado plano, seja político, empresarial, escolar, familiar ou qualquer outro, não dá certo, o que muitos se apressam a dizer é que “fez água”; ou “foi por água abaixo”. Mas, no boteco da esquina, alguém pode muito bem estar a se movimentar numa boa. Fazendo o que? Ora, derrubando uma “água que passarinho não bebe”…
Peguemos, agora, caso, digamos, passional. Você se espantaria se algum personagem de discussão amorosa murmurasse um “querida, o nosso caso está dando com os burros n’água”? Já de outro lado um dos envolvidos na história poderia argumentar que no futuro tudo poderia se ajeitar. Vamos dizer, em um ano. E o antagonista:
— Querido (a) nesse tempo “muita água ainda vai rolar por baixo da ponte”…
Recordo que certa vez, na escola dos meus verdes anos, ocorreu, no recreio, discussão entre dois alunos. Antes que as taponas voassem, apareceu alguém para “colocar água na fervura”. Recordo, ainda neste episódio, que um dos observadores da cena de quase pugilato suspirou:
— Ah, o Zé… Ele adora “fazer tempestade em copo d’água”…
Mas queria retornar novamente ao passional. Era um amigo que, apesar de casado com mulher belíssima, costumava passá-la para trás inclusive com garotinhas sem encantos. Até que um dia a traída soube e resolveu retornar pra casa da mãe. Apavorado por redescobrir o quanto era apaixonado, o galã prometeu, de pés juntos:
— Querida, vou “mudar da água para o vinho”.
Na nossa mesa diária no Café Regina senta de vez em quando um advogado que ainda ontem me garantiu que a situação do país é muito ruim; abriu os braços, para sentenciar: “Isto está claro como água”.
Também certa vez o famoso repórter fotográfico Neldo Cantanti, já falecido, estava a tomar um refresco comigo no barzinho na entrada da Galeria Trabulsi. De repente alguém perguntou a ele se não iria fotografar os acontecimentos dos quebra-quebra que vinham ocorrendo na cidade.
— Tá doido? – O colega logo respondeu – “Gato escaldado, pra quem já aposentou, tem medo de água fria”…
E foi outro colega de profissão também muito famoso, o lendário Zaiman de Brito Franco, que, ao me convidar para feijoada de fim de semana, levantou o dedo diante da minha afirmação de que eu não comia tal iguaria:
— Nunca, meu caro, diga “desta água não beberei”. Pois um dia, com uma baita fome e sem outras alternativas…
Como vocês vêm é praticamente sempre que, no dia a dia, você está topando com o líquido personagem desta crônica. Eu mesmo, muitas vezes, diante de pessoas a reclamar de ocorrências perdidas nas brumas do tempo, bradei, à guisa de consolo, o famoso: “Águas passadas não movem moinho”…
Para fechar esta viagem algo insólita com algo que diga respeito ao atual momento político, vale relembrar frase que os amantes do mar repetem sempre: “As águas quentes são as mais profundas”. E chegarei à política porque muita gente estranha que Lula, diante dos problemas que enfrenta às vezes some, sem dizer nada. O que isso significa? Novamente os caudalosos “as águas silenciosas são as mais perigosas”. Valendo, desta forma, relembrar, como complemento, que não se deve confiar “em gato que não mia e água que não corre”…
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ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.