Almodóvar e Antonio Cícero. Por Arnaldo Niskier
… Foi o lançamento do filme “Quarto ao lado”, do genial cineasta espanhol Almodóvar e o suicídio do escritor Antonio Cicero, da Academia Brasileira de Letras. Ambos tratam das mesmas causas…
Dois fatos com forte carga de emoção movimentaram os meios culturais praticamente ao mesmo tempo. Foi o lançamento do filme “Quarto ao lado”, do genial cineasta espanhol Almodóvar e o suicídio do escritor Antonio Cicero, da Academia Brasileira de Letras. Ambos tratam das mesmas causas, o cansaço de seres humanos da espera por uma morte ansiosamente aguardada.
No filme espanhol a figura central é a escritora Marta, que foi correspondente da guerra. Contrai um câncer incurável e não suporta mais a dolorosa espera. Chama uma amiga para se isolar numa casa em local distante, onde pratica o suicídio, ingerindo uma pílula fatal. Pede que ela fique num quarto ao lado e avisa: “Quando a porta do meu quarto estiver fechada, pode ter certeza de que a fechei antes de tomar o remédio mortal.” Deixava sempre a porta aberta, para que ela (Ingrid) pudesse acessar o local de repouso de Marta, que se manifestava inconformada com o estágio da sua doença. Quando não aguentava mais, deu fim à vida, numa prática condenada pela justiça que se chama eutanásia.
Não foi o caso de Antonio Cicero. Poucos dias antes de viajar para a Europa (Suíça), leu um poema de Carlos Drummond de Andrade no plenário da Academia Brasileira de Letras. Ele se queixava de que a sua doença não permitia mais que ele lesse os seus romances ou que pudesse escrever os seus poemas, alguns deles musicados pela irmã, a cantora Marina Lima. Aqui reside uma grande diferença entre os dois casos citados. Ele aguentou a situação por mais tempo do que a jornalista espanhola, mas não disse as mesmas frases inteligentes, que constam como patrimônio linguístico na película premiada.
Marta tomou um comprimido para dar fim à vida. Cicero, assistido por médicos suíços, tomou uma injeção letal, permitida pela legislação daquele país. São diferenças que devem ser assinaladas quando se analisa um caso e outro, tornados públicos quase ao mesmo tempo.
Marta pediu para que Ingrid avisasse à sua filha do seu triste fim. Cicero não tinha filhos para serem avisados. Seus herdeiros viviam no campo cultural, especialmente na Academia Brasileira de Letras. Sentimos solidariamente a sua dor e nos solidarizamos com a sua família.
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Arnaldo Niskier – Imortal. Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da Academia Brasileira de Letras. Professor, escritor, filósofo, historiador e pedagogo. Licenciado em Matemática e Pedagogia pela UERJ. Professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras e secretário estadual de Ciência e Tecnologia e de Educação e Cultura do Rio de Janeiro. Presidente Emérito do CIEE/RJ. Honoris Causa da Universidade Santa Úrsula.