TEMPOS MACABROS

O GRITO, EDWARD MUNCH, 1893

TEMPOS MACABROS: do envenenamento à guilhotina

TEMPOS MACABROS

Um dos países mais pobres da América Latina acaba de aprovar uma reforma constitucional, na qual o presidente Daniel Ortega (79 anos) , líder da Frente Sandinista de Libertação (FSLN), há mais de 30 anos na chefia do Estado, não apenas passa a ter o controle absoluto sobre os demais poderes, como torna “copresidente” sua mulher, Rosário Murillo, atual vice, e assegura a sucessão para o seu filho, Laureano. Serviço completo.

Seria esse o modelo de democracia que o Foro de São Paulo, criação de Fidel Castro e Lula, em 1990, projetaram para a integração da América Latina? Esse esforço todo de estabelecer o caos jurídico e político no Brasil, uma guerrilha contra as instituições, estaria voltado para um novo sistema de governança? O Foro de São Paulo, aparentemente na geladeira, é uma organização política que se autodenomina de esquerda, e que reúne uma centena de partidos legais e organizações transgressoras da ordem jurídica.

Portanto, se não é de assustar, surpreende, se comparado ao que vem acontecendo por aqui. Parece algo programado e projetado para ser concluído a médio prazo. No início daquelas coisas na Nicarágua, por volta de 1980, eu estava por lá – pela América Central, Nicarágua inclusive – e acompanhei a violência nas ruas de Manágua, até o assassinato, à queima roupa: um tiro na cabeça, na frente de todo mundo, de um jovem fotógrafo norte-americano.

Os revolucionários não tinham nenhum constrangimento para abordar e agredir aos opositores. Era quase uma “justiça sumária”, promovida até pelo “guarda da esquina”, modelo inspirado na revolução cubana. O presidente derrubado Anastácio Somoza, fugido e exilado no Paraguai, foi morto em Assunção, também na rua, à queima roupa por uma bala de morteiro, que fez explodir a ele e o carro que dirigia.

No Brasil, de um momento para o outro, começaram a surgir acusações, quase vazias, de conspiração, ameaças de morte, envenenamentos, sabotagens, atentados, uma roupagem diferente com a participação do Judiciário – questão de estilo – com objetivos aparentemente semelhantes. Uma sucessão de eventos pontuais e intimidadores são reproduzidos nas páginas dos jornais e abrigadas nos textos de um punhado de articulistas legitimadores de inconstitucionalidades jurisprudenciais.

Decisões monocráticas na Alta Corte passam por cima de atribuições de juízes de primeira instância e das polícias. Os militares ficam à margem até terem – eles também – sua autoridade questionada.

Essa sucessão de eventos odientos, acontecendo em cadeia, torna o cenário macabro e eleva a desconfiança pública nas autoridades e instituições. Tudo parece estar mesmo direcionado para a construção de um novo tipo de democracia, autocrática, relativa, amparada num partido único e protegida por milicianos. Já acompanhei, como jornalista, prisões de políticos e de militantes ideológicos, de líderes estudantis e trabalhadores, mas jamais vi uma conspiração tão forte contra a legitimidade do Estado Constitucional como agora, envolvendo personagens, inclusive estrangeiros sem quaisquer conexão e aderência com história e a vida do brasileiro.

A gestão das políticas públicas dão ideia de abandono. No País, no Congresso, na Justiça, as pessoas se ocupam dos supostos atos conspiratórios, até os mais esdrúxulos como “envenenamentos” , prática que antecede a Era Cristã; ou condenações prévias de questões não cabíveis sequer na Código do Processo Penal. Manobras e ordens surgem de um grupo autoproclamado “Cidadãos acima de qualquer suspeita” (Petri, 1970).

Nada por aqui na política é menos atemorizante do que na Nicarágua. A autoconfiança é tamanha que se despreza, inclusive, a tal “maioria silenciosa” que guarda para si a indignação com ambiente de intimidação e revanchismo. Parece até tratar-se de vinganças pessoais: a Nação assiste estarrecida a montagem e o desmonte súbitos de narrativas, inclusive oficiais. A imprensa se deixa cooptar pela expectativa da novidade.

O curioso é que essas atividades não parecem seguir exatamente o pensamento de Lênin, Marx, Engels, Mao Tsé Tung, Ho Chi Ming, nem mesmo de Gramsci. Aproximam-se mais de Mussolini, Agatha Christie, Conan Doyle, J. K. Rowling, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, Dan Brown. Transcende fácil de processos judiciais para páginas literárias ou policiais, estendendo-se o intricado jogo de enigmas, crimes e investigações que cativam leitores e eleitores desavisados. Os processos de averiguação são ardilosos, atraindo os leitores para os mistérios.

Nesse cenário, detetives, espiões, denuncistas, desempenham o papel central na busca pela verdade, mergulhando nas sombras da imaginação  para trazer à luz aquilo que escondem nas entrelinhas, e afloram nas interpretações. Para facilitar a criatividade hermenêutica recomendaria os envolvidos a leitura de escritores policiais, brasileiros mesmo:

Andrea Nunes, “A Corte infiltrada”; Paula Febbe, livros sobre perversão e psicose, dilemas humanos; Cláudia Lemes: “Quando os Mortos Falam”; Thais Messora: “Um Ótimo Dia Para Morrer”; Patrícia Melo,  “O Inferno”; Ilana Casoy, criminóloga e escritora, escreveu livros baseados em pesquisas sobre o perfil psicológico de criminosos; Vivianne Geber, a história do “Espião Rodolfo Rupel” e “O Enterro dos Ossos”.

Alguns estão em E-books. E, como disse: “Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita”.

Em que pese o cenário político macabro, desconhece-se o que leem – até para se divertir – os presidentes da Nicarágua e do Brasil. O brasileiro disse que nunca leu um livro. Não sabe o que está perdendo. Assusta, porque um ministro aventou a possibilidade de queimar livros, tipo “Fahrenheit 451” (Bradbury, 1956) … Não se entusiasmem, pois. Na Revolução Francesa – modelo arquetípico – guilhotinaram-se tantos opositores que, sem mais cabeça para cortar, começaram a cortar a dos próprios companheiros.

E veio o Napoleão…

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Aylê-Salassié F. Quintão –  Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018

Autor, entre outros, de Lanternas Flutuantes:
Português –   LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508  (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns  
Polonês – Pływające latarnie  – poetycko zamieszkiwać świat  
novo livro de Aylê-Salassiê: TERRITÓRIO LIVRE!

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