CLT e funções públicas. Por Adilson Roberto Gonçalves
…vê-se a ascensão de uma crítica à CLT, concomitante com um movimento de valorização de suposta capacidade individual que não dependeria de regulações, promovida por grupos ligados à extrema direita…
As relações de trabalho devem ser reguladas para que um mínimo de garantias haja para o trabalhador, a equação mais fraca dessa suposta “troca” de força por dinheiro. No mundo todo o assunto está em discussão permanente porque, se fosse levado em consideração apenas o valor energético do trabalho, nenhum capitalista se justificaria em termo ambientais, ecológicos e científicos.
Uma das questões que voltaram à tona no Brasil foi o serviço público, em que parte é de servidores que seguem estatutos próprios, e parte é contratada pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Todos eles precisam ser aprovados em concurso de provas e títulos. Da forma como está sendo noticiado, parece que os celetistas têm formação ou competência inferior aos estatutários, o que não é verdade. Os regimes estatutário e celetista se aproximam, uma vez que não há mais aposentadoria integral, uma das vantagens de antigamente. No estado de São Paulo, por exemplo, até poucos anos atrás era possível pagar aposentadoria complementar e, hoje, nem isso mais é permitido.
Resta ainda a estabilidade para que não haja influência política de gestores eleitos com mandatos de tempo definido sobre os funcionários. Mas, de novo, é o custo comparativo e suposta eficiência que passam a ser questionados. A comparação feita por alguns jornais em relação ao funcionalismo público entre Brasil e Suécia – país considerado perto da perfeição – falha ao não apresentar quanto dos 99% sem estabilidade no país europeu de fato perdem o emprego ao longo de sua carreira. Quer dizer, poderiam ser demitidos, mas não são. Outra questão é o peso e a necessidade da saúde e da educação públicas, fundamentais aqui, e as demais políticas públicas inexistentes ou restritas nos demais países. Mas vejam que em termos de dispêndio orçamentário, quando se analisam tais tabelas e gráficos, há países que melhor protegem seus servidores do que o questionado Brasil. De qualquer forma, a comparação não leva em conta fatores conjunturais e históricos, como é comum quando se quer apenas criticar se baseando em eventuais aspectos negativos.
Por fim, vê-se a ascensão de uma crítica à CLT, concomitante com um movimento de valorização de suposta capacidade individual que não dependeria de regulações, promovida por grupos ligados à extrema direita, contrariando o que foi apresentado na abertura deste texto. As igrejas são também elemento importante na difusão do “prosperalismo”, incutindo nos jovens a ideia de que ser CLT é sinônimo de fracasso, similar ao desemprego. Assim pensam os alunos do ensino médio, mesmo os que frequentam os Institutos Federais, que foram criados e mantêm seu funcionamento baseado no atendimento de vulnerabilidades sociais. Mutatis mutandis, o que os nichos retrógrados, notadamente bolsonarentos, estão fazendo – igrejas, coaches, redes de fake news – parece similar à falsa ideia que havia tempos atrás defendendo que somente o filho do rico poderia entrar na boa universidade pública, fazendo com que muitos pobres nem tentassem. Os jovens ficarão aguardando ser empreendedores de sucesso sem tentar um bom emprego, com algumas garantias, e desprezando a estrutura estatal de proteção que foi construída. Enquanto tiverem pais ou responsáveis que banquem suas despesas, parece que não mudarão de percepção.
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– Adilson Roberto Gonçalves – pesquisador da Universidade Estadual Paulista, Unesp, membro de várias instituições culturais do interior paulista. Vive em Campinas.