Maluco? Por José Horta Manzano
… maluco que pega a estrada em Santa Catarina e dirige 1.700 km até Brasília a fim de cometer um atentado contra o STF “para consertar a Justiça e garantir nossa liberdade”, já entramos em outra ordem de grandeza…
Se eu não estiver enganado, é a primeira vez que temos no Brasil a auto detonação voluntária de um homem-bomba. Lembro da explosão do Riocentro, no longínquo 1981, só que aquele foi o estouro acidental e temporão do artefato que era para ser usado num atentado, mas explodiu antes, por acidente, no colo de um militar. No caso de ontem, em Brasília, o homem realmente “se explodiu”, como se costuma dizer.
Instado a dar sua opinião, Bolsonaro foi logo se eximindo (em língua de casa: “tirando o corpo fora”) ao declarar não fazer a mínima ideia de quem fosse o explodido. Acrescentou que devia se tratar de um maluco. Acho que, até aqui, estamos todos de acordo: certos atos só podem ser atribuídos a malucos.
Maluco desvalido sai pela janela do trem em movimento e surfa no telhado. Maluco classe média aposta o valor do aluguel na véspera do vencimento. Maluco grã-fino fica feliz de ter dado o sinal para comprar um terreno na Lua aconselhado por um influenciador.
Agora, com um maluco que pega a estrada em Santa Catarina e dirige 1.700 km até Brasília a fim de cometer um atentado contra o STF “para consertar a Justiça e garantir nossa liberdade”, já entramos em outra ordem de grandeza. Com tráfego favorável, o homem há de ter viajado 22 horas carregando bananas de dinamite, coisa pra quem está realmente animado e convencido do que tem intenção de fazer.
Não sei se esse infeliz era pobrezinho ou ricaço. Não sei se estava mais pra surfar em telhado de trem ou pra comprar terreno na Lua. Uma coisa é certa: se o acesso de loucura que o levou a Brasília tivesse ocorrido antes da era bolsonárica, jamais teria tido a ideia de “explodir essa Justiça de merda”, conforme seu testemunho escrito. Teria surfado num trem ou, no paroxismo da crise, teria se jogado debaixo da locomotiva.
O ímpeto – ingênuo, mas perigoso – de atacar fisicamente estátuas e personagens dos Poderes da República tem origem certa e atestada: Jair Messias Bolsonaro, seus atos, suas palavras, seus silêncios, suas insinuações, suas incitações. Ele, aliás, é quem está encrencado com a Justiça, que já se deu conta da influência que exerceu no encorajamento de atos tresloucados, que começaram com brigas de rua, assassinatos políticos e foram crescendo até o buquê final: o 8 de janeiro.
O que se quer dizer aqui é que a “maluquice” de nosso homem-bomba, que se pôs a bombardear estátuas e edifícios, foi orientada pela intensa pregação de Bolsonaro, homem que é dinamite pura, embora nossa benevolente Justiça ainda o deixe solto por aí.
O pastor de almas malucas que nos serviu de presidente durante quatro anos, aquele que convenceu o homem-bomba a desdenhar trens e se dirigir contra Brasília, é, portanto, o verdadeiro autor intelectual dessa tragédia.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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