palavreado

O palavreado de Milei. Por José Horta Manzano

Palavreado… Os argentinos usam um verbo cujo significado, à primeira vista, nos escapa: putear. Em política, se usa para definir um palavreado chulo, rasteiro, recheado de palavrões. A imprensa informa que Milei sempre foi fã desse modo de se exprimir…

palavreado

Num aprendizado benfeito, o aprendiz que se aplica de verdade chega, às vezes, a superar o mestre.

Tome por exemplo Donald Trump, presidente eleito dos EUA. Seu palavreado tem feito sucesso entre os que apreciam um governo autoritário. O personagem é mentiroso contumaz, dono de um discurso recheado de lorotas. Um dia, falando em público na época do covid, revelou que tinha o hábito diário de tomar creolina(*) como preventivo contra a doença. Pois sim… (como se dizia antigamente para demonstrar que não dava pra acreditar).

Tremendas mentiras, sim. Apesar delas, Trump não é conhecido por fazer discursos recheados de insultos e palavrões. Pode ser que escape alguma coisinha aqui ou ali, mas não é a tônica.

Nosso Jair Bolsonaro nacional, admirador declarado de Trump, tentou adotar o estilo oratório do ídolo. Só que seu baú de expressões é pobre e sua mente, pouco criativa. Em decorrência, decerto por falta de palavras, não conseguiu elevar o nível de suas invectivas. Seus quatro anos na Presidência escorreram sem que ele fosse além de palavrões rasteiros, daqueles de boteco de beira de estrada. Foi incapaz de estruturar um raciocínio sequer.

Virada a página de Bolsonaro, novo aprendiz apareceu na Argentina. Chama-se Javier Milei. Mais jovem, mais vigoroso e mais instruído que o capitão, conseguiu juntar, em seus discursos, a agressividade de Trump e a vulgaridade de Bolsonaro. Mas não se contentou de apenas continuar vivendo de carona, aboletado no calhambeque dos tutores. Com sua motosserra, alargou a picada a fim de poder trafegar com seu caudal de impropérios.

Assustados com seu palavreado, catedráticos da própria universidade em que Milei se formou vêm publicando artigos no site da instituição, textos que acabam repercutindo na mídia argentina. Karina Galperín, diretora-geral de estudos da universidade, declarou que a luta selvagem de Milei pela desregulamentação atingiu seu discurso político. O jornal La Nación analisou um discurso pronunciado pelo presidente no mês passado e descobriu que, em 70 minutos de fala, o discursante cometeu nada menos que 29 agressões.

Aqui estão alguns dos insultos, cuja variedade deixa Trump e Bolsonaro comendo poeira: casta podre, vendidos, kirchneristas, ratazanas, bando de delinquentes, ladrões, excremento humano(!), mentirosos, traidores, covardes, imbecis, ratos miseráveis, bunda suja, degenerados fiscais, esterco imundo(!).

Essa moda de se comportar há de corresponder a uma tendência mundial. Ainda outro dia, a cidade de São Paulo passou pertinho de mandar para o segundo turno um forasteiro aventureiro que parecia ter incorporado o espírito do presidente argentino. Desta vez, foi por pouco, mas ninguém garante que, da próxima, o resultado não seja diferente.

Os argentinos usam um verbo cujo significado, à primeira vista, nos escapa: putear. Em política, se usa para definir um palavreado chulo, rasteiro, recheado de palavrões. A imprensa informa que Milei sempre foi fã desse modo de se exprimir. Só que, enquanto era um personagem obscuro, o problema não era tão grave. Agora, que se tornou chefe do Estado, o eco chega mais longe.

Como se vê, parece que a puteada está se tornando o dialeto habitual dos novos dirigentes autoritários, uma política de comunicação eficiente e aceita pelos eleitores. Os discípulos de Trump estão se saindo melhor que o mestre.

dirigentes provincianos

(*) Não me lembro bem se Trump disse creolina, benzina ou querosene. Tanto faz, dá no mesmo: seja qual for o desinfetante, a mentira da afirmação é ululante.

Lembro a meus queridos leitores que “creolina” não tem nada a ver com as palavras hoje proibidas por habitarem no index verborum prohibitorum. Creolina não tem a ver com raça. É marca comercial de um antigo desinfectante e antisséptico feito à base de creosoto, daí o nome. Não sei se ainda é produzido.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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