Como um toque de magia. Por Antonio Contente
Toque de magia… naquele exato instante a vida de Marquinho começou a mudar. Pois, imperceptivelmente, na cabeça de cada um dos postados diante do rapaz, alguma coisa detonou a observação impensável…
A convivência de pessoas em pequenos grupos pode propiciar bom ambiente para o exercício da memória; que é capaz de burilar o presente para melhor desenhar o futuro. Certamente era isso que permeava os encontros diários de um grupo de amigos no anexo de um restaurante no entorno da Praça Bento Quirino, em Campinas. Nos dias mais, digamos, animados, ocupavam até dez cadeiras. Envolvendo pessoas de várias atividades, como advogados, professores, empresários, comerciantes etc. Entre eles, a discreta figura de Marquinho que, talvez por timidez, falava pouco. E, certamente devido a esta característica, os membros da confraria lhe davam pouca importância. Por exemplo, nunca o consultavam sobre nada. E se acaso o bom homem dissesse algo, o fim das palavras seria percorrer o prosaico caminho de entrar por um dos ouvidos de quem escutava; e sair pelo outro. Caso a alguém ali fosse dada oportunidade de emitir opinião sobre o camarada, seria capaz de dizer que ele apenas passava pela vida. Sem nela imprimir a mais longínqua ou remota marca da sua presença.
Mas o destino que, por ser caçador, está sempre a armar suas tramas, também no caso de Marquinho fazia exatamente isso. E tudo começou a acontecer numa bela manhã de começo de verão com a totalidade dos membros do grupo que se reunia. Falavam de coisas triviais quando, de repente, todos calam. Pois pareceu que perceberam, ao mesmo tempo, a bela, belíssima mulher que surgiu na porta do estabelecimento. Cabelos curtos, claros, o corpo coberto por uma desses vestidos de seda que, deslizando por impulsos do imponderável, melhor desenham cada reentrância do corpo. Tinha os olhos escondidos por óculos de aviador dos anos 50, e, ao dar os primeiros passos no ambiente, apenas aumentou a sensação do assombro. Para surpresa geral, se dirigiu exatamente para a mesa dos amigos de todos os dias. Para abrir enorme, luminoso sorriso que inundou de claridades o ambiente. Sorriso jogado exatamente sobre a pouco requisitada figura do nosso tímido Marquinho.
— Como vai você? – Ela amplia ainda mais o sorriso.
— Ora, mas que prazer — o rapaz levanta.
Gesto logo imitado por todos, subitamente pálidos de espanto diante de tanto charme, beleza, encanto.
Como se não bastasse, ela aproxima o rosto do rosto do nosso súbito herói e pespega-lhe um beijo na boca. Isso feito, se afastam para papear por alguns instantes. Ao se despedir a moça murmura:
— OK, então te espero lá.
Ao voltar para a mesa pipocam as perguntas sobre quem era a beldade. A resposta não poderia ser mais vaga:
— Ah, ela? É a doutora Thaïs, advogada.
Como, todavia, a vida não pode ser tão simples, pois, se assim fosse, nós, que escrevemos, não teríamos temas para histórias, naquele exato instante a vida de Marquinho começou a mudar. Pois, imperceptivelmente, na cabeça de cada um dos postados diante do rapaz, alguma coisa detonou a observação impensável: uma pessoa que tem tal intimidade com deusa tão constitucionalissimamente perfeita, não pode ser um qualquer. E, efetivamente, daquele dia em diante as atenções sobre o rapaz se intensificaram, e até possibilidades de negócios passaram a surgir. Ele tinha pequena empresa de consultoria e propaganda que, de repente, os influentes do pedaço passaram a requisitar. E tanto, e de tal forma, que um súbito impulso de prosperidade começou a permear a vida profissional do rapaz. Que, desde a manhã em que Thaïs aparecera à sua frente passou a ser visto como alguém competentíssimo.
E à medida que semanas e meses correm, era raro o dia que um dos influentes participantes da mesa não se dirigisse ao moço. Tantas eram as solicitações profissionais, que ele já planejava sair do relativamente acanhado escritório encravado no centro velho, para uma casa no tradicional Cambuí.
Na realidade isso tudo aconteceu faz um bom par de anos, e hoje Marquinho é um próspero executivo de vários negócios. Provavelmente a turma do ponto de encontro nas proximidades da estátua de Carlos Gomes nem mais se reúne. Todavia, pelo menos duas vezes por mês, alguns deles se encontram para um uisquinho de fim de tarde nos amplos escritórios do nosso herói. No bate papo, sempre, um leve fundo musical perpassa pelo ambiente. A repetir os leves trinados de suspirosos violinos a tocar a belíssima “Meditação”. O trecho mais lindo as ópera Thaïs, de Jules Massenet. Só que nenhum tinha cabeça para fazer a ligação…
__________________________________________________________
ANTÔNIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP, onde colabora com o Correio Popular, entre outros veículos.
___________________________________________________________________