volta triunfal das abreviações

A volta triunfal das abreviações. Por Aldo Bizzocchi

Volta triunfal das abreviações… essa tendência a abreviar palavras em massa, típica da escrita em aplicativos de mensageria eletrônica como WhatsApp e Telegram, que tanto horroriza pessoas nos dias de hoje, já foi tendência predominante na Idade Média.

volta triunfal das abreviações

Vejo no perfil da professora de português Céu Marques no Instagram (www.instagram.com/linguaportuguesa) uma postagem com a legenda: “Abreviações usadas pelos jovens na internet. Um verdadeiro desafio para gerações anteriores”. A imagem traz as seguintes abreviaturas:

flw – falow

rlx – relaxa

tm – tamo (estamos)

pdc – pode crer

mddc – meu Deus do céu

plmdds – pelo amor de Deus

sqn – só que não

slk – se é louco (você é louco)

tlgd – tá ligado

plmns – pelo menos

att – ah tá

Muitas pessoas, especialmente as mais velhas, torcem o nariz para essas abreviações, deplorando quer a preguiça dos jovens em escrever, quer a inexorável degeneração da língua portuguesa, nossa última flor do Lácio, inculta e bela.

O que ocorre é que a língua se adequa às necessidades do usuário, e não o contrário. Em tempos em que é preciso digitar rapidamente mensagens curtas no celular, utilizando apenas os polegares (eu, que não sou digital e sim analógico e canhoto, digito apenas com o dedo indicador da mão esquerda), a abreviação das palavras mais comuns, como vc (você), tb (também), vlw (valeu), blz (beleza) e outras é mais do que justificável. Na verdade, faz tempo que mesmo os mais avançados em anos substituem número por n.º, folhas por fls., Senhor por Sr., Doutor por Dr., okay por ok, att. por atenciosamente, Limitada por Ltda., etcétera por etc., e assim por diante. E temos ainda as siglas, outra forma de reduzir longas expressões: RG, CPF, SUS, INSS, USP, EUA, ONU, OTAN, PT, AIDS…

Mas essa tendência a abreviar palavras em massa, típica da escrita em aplicativos de mensageria eletrônica como WhatsApp e Telegram, que tanto horroriza pessoas nos dias de hoje, já foi tendência predominante na Idade Média. Com efeito, naqueles tempos em que o pergaminho era caríssimo, tanto que chegava a ser reutilizado (apagava-se um texto velho para sobrescrever um texto novo), e os livros eram escritos à mão e em letras góticas, o que dava imenso trabalho aos copistas, abreviar palavras era a solução para poupar tempo e espaço.

Nos códices medievais, não virava ñ, bem era grafado bẽ (essa é a origem do nosso til: um n sobreposto à vogal), setembro dava 7bro (um verdadeiro rébus!). Isso sem falar que as palavras eram separadas por pontos, mais econômicos que um espaço em branco, ou às vezes nem isso: “el.rey.faz.saber.aosseus.subditos.q.oje…”.

Esse costume de abreviar diminuiu muito com o advento da prensa de tipos móveis em meados do século XV: páginas tipografadas precisavam ser compostas uma única vez e eram impressas centenas de vezes — foi o início da chamada comunicação de massa. Além disso, a substituição do pergaminho pelo papel barateou muito o custo da edição de livros. Portanto, agora não era mais preciso economizar nem tempo nem espaço.

Tudo mudou novamente nas duas últimas décadas com a popularização dos apps de mensagens: a digitação rápida exigiu nova adequação da grafia, e assim novas abreviaturas surgiram. Por isso, é bom conhecer um pouco da história da língua antes de criticar quem usa e abusa das abreviações na internet.

Aliás, um certo humorista comparou os emoticons e emojis de hoje em dia aos hieróglifos egípcios. E não deixa de ter razão: esses símbolos de carinhas, palminhas e joinhas, além dos já manjados rs rs e kkk, são ideogramas ou pictogramas não muito diferentes da escrita hieroglífica, cuneiforme ou chinesa.

E agora uma dica: o processador de texto mais popular da atualidade (vocês sabem qual é, né?) dispõe de uma ferramenta de autocorreção que transforma automaticamente palavras com erros de digitação em suas versões corretas, como qeuque, por exemplo. Corrige também erros de ortografia (excessão) → exceção) e permite ainda que se incluam abreviaturas, que são convertidas em palavras por extenso. Assim, eu utilizo esse recurso para tornar minha digitação mais rápida e fluente, visto que o meu raciocínio é mais veloz que os meus dedos. E dá-lhe p/ (para), c/ (com), tb (também), resp/ (respectivamente), etc. — ou melhor, etcétera.

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ALDO BIZZOCCHIAldo Bizzocchi é doutor em linguística e semiótica pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorados em linguística comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em etimologia na Universidade de São Paulo. É pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Etimologia e História da Língua Portuguesa da USP e professor de linguística histórica e comparada. Foi de 2006 a 2015 colunista da revista Língua Portuguesa.

Acaba de lançar, pela Editora GrupoAlmedina,

“Uma Breve História das Palavras – Da Pré-História à era Digital”

Site oficial: www.aldobizzocchi.com.br

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