Se está na internet é porque é verdade. Por Marco Antonio Zanfra
É uma forma de chegar ao autoconhecimento sem ter de pagar os tubos para um analista, que vai soltar conceitos pré-fabricados depois de cochilar durante a sessão de terapia. Não tenho por que duvidar das informações que recebo: se está na internet, é porque é verdade!
Fiquei sabendo por um desses testes que vicejam no Facebook que vou viver até os 127 anos. O algoritmo até definiu a exata data de minha morte – 20 de maio de 2083 – e quais serão minhas últimas palavras: “Acho que aquele último gole de pinga não foi boa ideia.”
Como não bebo há quase 30 anos, devo ficar esperto para perceber em que parte dos 59 anos que me restam de vida vou voltar a me relacionar com o álcool. E, também, ficar atento para, na medida do possível, decifrar exatamente o que eu quis dizer quando não considerei boa ideia aquele último gole de pinga. Quem sabe dê para evitar esse último gole e me garantir ainda alguns anos de sobrevida…
Vivo fazendo essas avaliações. É uma forma de chegar ao autoconhecimento sem ter de pagar os tubos para um analista, que vai soltar conceitos pré-fabricados depois de cochilar durante a sessão de terapia. Não tenho por que duvidar das informações que recebo: se está na internet, é porque é verdade!
Entre outras coisas, já fiquei sabendo, por exemplo, que em outras vidas já fui compositor barroco – por isso minha afinidade atual com Bach, Pachelbel e Albinoni – já trabalhei vendendo peixe no mercado de Constantinopla e andei botando um lenço encardido na cara para assaltar diligências no Texas. Descobri também que, se fosse mulher, meu nome seria Esther e eu me pareceria com a ministra Carmen Lúcia.
Sem sair do universo feminino, soube que, se fosse uma princesa da Disney, seria Cinderela, embora pessoalmente considere incômodo o uso de sapatos, especialmente se forem de cristal. A figura mítica a dominar minha personalidade é a de uma bruxa, não sei se maligna ou de boas. Seria um tigre feroz em minha forma externa de animal, mas, por dentro, minha imagem de animal é um gatinho fofo com uma coroa de hortênsias entre as orelhinhas pontudas.
Em contrapartida, sou macho pacas no universo Marvel: Capitão América por fora e Deadpool por dentro.
Intelectualmente, sou o privilégio em forma de gente: estou entre os 5% da humanidade que conseguem distinguir a letra B em meio a um emaranhado de números 8 e onde está o cavalo com três pernas escondido num plantel de sombras carregado de quadrúpedes. Além disso, tenho a capacidade espantosa de contar quantos triângulos formam uma figura cheia de triângulos.
Minha cor predileta é o verde, porque sou “um gênio abstracionista com uma visão holística da unidade geométrica universal”, mas, ao mesmo tempo, sofro de paranoia aguda (quanto um analista não me cobraria para chegar a essa conclusão?). Acho que uma coisa não elimina a outra, entretanto.
Há algumas opiniões divergentes, contudo, que me deixam com a pulga atrás da orelha: enquanto um algoritmo diz que vou terminar o ano com saldo de R$ 0,09 numa conta do Itaú – que ainda não abri, mas é claro que isso é apenas um pormenor – outro afirma que vou deixar quatro Ferraris, um cão e três gatos como herança. Mas isso ao morrer aos 97 anos, o que contraria a previsão inicial, que me deu 30 anos além disso.
Essas incongruências me fazem às vezes desconfiar um pouco da internet. Mas nada que a desmereça muito.
_______________________________________