Nervos! Os muitos abalos da mente. Por Marli Gonçalves
Nervos! Sempre lembro de uma antiga camiseta que hoje nem sei onde foi parar, pichada com a palavra Nervos! Sumiu, mas era de um momento em que certamente já pensava em saúde mental, nesses tantos abalos que todos sofremos durante a vida e que nos desestabilizam. Ou endireitam de vez. O tema agora está na mesa.
Está aí para todo mundo ver e não são poucos os acontecimentos ligados à saúde mental bastante abalada e dos quais tomamos conhecimento. Chacinas têm sido um aspecto visível, cruel e perigoso quando sabemos bem o número de armas que nos últimos anos se espalharam mais que o próprio rastilho de pólvora, com muitos virando – não ria, não é brincadeira – “colecionadores”, os tais Cacs, totalmente sem controle. Esses dias no Rio Grande do Sul o horror se abateu sobre a família de um deles, esquizofrênico que abriu fogo durante horas, deixando um saldo de mortes, pai, irmão, dois policiais, ele próprio, e muitos feridos. Armas sempre vão parar em mãos (e mentes) erradas. Ou desconhecidas, que surgem em alguma hora H.
Houve tempos passados que foram registradas muitas desgraças “sem querer”. Para garantir a segurança, havia o hábito de pais dormirem com uma arma debaixo do travesseiro. Não foram poucos os filhos, jovens que chegando de madrugada em suas casas, foram mortos no susto dos sonolentos disparadores. A situação levou, à época, ao controle, plebiscito, recolhimento, mas – vocês bem sabem quem – resolveu liberar geral, por achar lindo tudo de ruim dos EUA. Estamos vendo o resultado.
Vivemos tempos estranhos. A tecnologia trouxe avanços, conhecimento, mas também disseminou informações falsas, desejos incontroláveis, redes sociais com propostas e desafios cruéis, individualidade e falta de empatia. Nada me tira da cabeça que o absurdo aumento de feminicídios e violência contra as mulheres passa por isso, por mensagens mal entendidas em invasões de privacidade em celulares.
Todas essas ações geram consequências aos sobreviventes, incluindo nós que acompanhamos o tempo e viramos todos como que veteranos de guerra. Sem qualquer apoio, com medo constante, apreensão, desilusões dolorosas, sentimentos controversos. Nervos! Saúde abalada, inclusive mental. Solidão. Depressão sempre rondando, pensamentos negativos. O suicídio de quem achávamos com vidas perfeitas.
Há em tudo isso, no entanto, um lado positivo: estamos falando mais do que nunca sobre o tema, tornando-o visível e mais urgente. O querido Fernando Gronstein Andrade com seu companheiro Fernando Siqueira trouxe às mostras de cinema um trabalho de ambos nos últimos três anos, Necklace, onde discutem com sensibilidade e propostas, inclusive musicais, a crise de saúde mental que acreditam que o mundo vive atualmente, à angústia de existir, ao aumento da desigualdade social, e ao impacto das redes sociais, segundo eles próprios, vítimas, inclusive de perseguições políticas da direita e ameaças que os fizeram sair do país.
Ainda agora, ao tomarmos conhecimento da morte, aos 79 anos, do grande poeta e acadêmico Antonio Cícero, soubemos de um exemplo de lucidez em meio à tristeza. Com Alzheimer em evolução, decidiu pela morte assistida na Suíça, onde a prática é permitida. Deixou uma carta de despedida, e seus trechos, onde menciona a eutanásia como opção, mostram sua imensidão: “… não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação” ….
O assunto, enfim, está na mesa. É muito amplo, influenciado por fatores biológicos, psicológicos e sociais. Atinge indiscriminadamente a todos e requer atenção, cuidados, soluções. Compreensão. Tratamento, em suas variadas formas.
Nós, mulheres, aliás, sempre que buscamos – dentro da mais saudável disposição – a liberdade ou mostrar nossos pontos de vista, ou mesmo apenas se mostramo-nos diferentes em algum aspecto, logo somos apontadas como loucas, palavra que ouvimos durante toda a vida, inclusive quando somos interrompidas. Chega. E olha que posso tocar nesse assunto, chamada sempre que fui de maluquinha, por mais seriedade que sempre tenha demonstrado em tudo o que faço.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital.
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