ARY TOLEDO - RIR

Rir é o melhor remédio? Por Marco Antonio Zanfra

… rir pode ser o melhor remédio, mas não nos oferece a isenção total, a capacidade de nos tornar imunes ao mal definitivo. Com riso ou sem riso, todos nós nos vamos, mais cedo ou mais tarde.

 

rir

Se eu tinha dúvidas em relação à ortodoxia do velho ditado, a morte de Ari Toledo acabou por confirmar meus temores: rir pode ser o melhor remédio, mas não nos oferece a isenção total, a capacidade de nos tornar imunes ao mal definitivo. Com riso ou sem riso, todos nós nos vamos, mais cedo ou mais tarde.

 

Mais tarde, no caso, por exemplo, de Dercy Gonçalves, que passou dos cem: certamente, a tese de que o escracho nos torna menos permeáveis aos estresses e às amofinações contribuiu para essa longevidade. É quase regra que os sorumbáticos se vão antes, talvez porque o amargor ocupe mais espaço nesse nosso universo beirando à superpopulação, e a reciclagem seja possivelmente uma forma de readequação: onde cabia um macambúzio, cabem pelo menos dois espíritos jubilosos, e aí nós vamos remodelando os quartos, colocando um beliche aqui e outro acolá, de modo a que caiba todo mundo.

 

Falo por mim: conforme os anos vão chegando e passando, nossas relações com a morte passam de negligentes a cordiais e de cordiais a respeitosas. De super-heróis invencíveis, transformamo-nos primeiro em seres humanos vulneráveis e depois em organismos frágeis e suscetíveis mais facilmente à fatalidade. Nessa transição é que a gente começa a considerar com mais respeito todos os unguentos, as beberagens e os velhos ditados que possam deixar mais longe o inevitável.

 

No caso deste ditado em particular, porém: se rir era o melhor remédio, como explicar que alguns comediantes, palhaços e bufões que ajudaram a desopilar nosso fígado não estão mais entre nós, para apagar as luzes e fechar as portas do mundo, conforme esperávamos deles? Com quem ficaram as chaves e a incumbência se Zezé Macedo, Rogério Cardoso, Ronald Golias, Consuelo Leandro, Zilda Cardoso, Costinha, Nair Belo, Dercy, Chico Anysio, Paulo Silvino, Agildo Ribeiro, José Vasconcelos, Mussum, Zilda Cardoso, Zacharias e tantos outros que nos fizeram rir nos últimos 50 anos se foram antes que nos déssemos conta de que os palhaços também morrem e nos deixam mais tristes?

 

Pois é, funciona como eu disse no começo: a gente até pode passar dos cem, como a Dercy – rindo e fazendo rir – mas um dia o mecanismo falha. Até equipamentos eletrônicos sofrem de fadiga e pifam. É indefectível. Mas, se o riso não nos concede a imortalidade, pode pelo menos fazer com que nossa efemeridade seja menos efêmera e mais imortal. Se não para nós mesmos, pelo menos para aqueles a quem fazemos rir, franca e abertamente.

Que o digam os órfãos de Ari Toledo!

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Foto -Marco Antonio Zanfra HERÓI

Marco Antonio Zanfra  – Nasceu em São Paulo. Escritor e Jornalista, formado pela Faculdade Cásper Líbero em 1977. Foi repórter por vinte e cinco anos, quinze deles cobrindo a área policial. É casado e pai de duas filhas. Mora atualmente em Florianópolis.
Suas publicações:
.Manual do Repórter de PolíciaAs covas gêmeas - HERÓIA rosa no aquárioO beijo de Perséfone

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