Heróis de hoje serão os vilões amanhã. Por Aylê-Salassié F. Quintão
… Os protagonistas já não estarão por aqui. Será o legado desses heróis de hoje para as gerações que ainda virão, se vierem, e que, provavelmente, serão rebatizados como vilões.
Este País é, de fato, muito grande e diversificado para ser conduzido pelo bom ou mau humor de um homem só. Como o eleitor se engana, hein! Surpreende ver as coisas andando – aos trancos e barrancos – mas, aparentemente, sozinhas. O presidente sempre viajando e o vice receoso de assumir. É tudo muito litúrgico, e sem efeitos práticos. Atira-se para todos os lados: criminaliza-se e se descriminaliza de todos os jeitos. É uma verdadeira “deglutição” ao estilo macunaímico, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário.
Concluo que a Nação pode estar diante de um modelo poético ou de uma grande farsa. Ninguém acredita – e nem é para acreditar mesmo – que estamos numa democracia, alimentada por uma aristocracia, de base corporativa, que flutua nas superfícies constitucionais, surfando pelos corredores dos palácios de Governo.
É nesse cenário que gente com ampla atividade política ou sindical pretéritas, esforça-se para entender o que está acontecendo, por exemplo, no campo ambiental. Proletarizadas, as lideranças têm dificuldade de compreender a problemática em que o País está se metendo como esse tal de protagonismo global e de mudanças climáticas. Os credenciados para discutir a questão planetária apropriam-se de jargões cunhados pelas conveniências provincianas, e os reproduzem. A temática atropela conservadores, liberais, socialistas, impactando, sobretudo, corporativistas.
Os conservadores defendem o uso dos recursos naturais, como uma dádiva de Deus; os liberais, a sua utilização sustentável; e os socialistas, pura e simplesmente, a redistribuição dos produtos da sua exploração pelas comunidades originárias. O sindicalismo concentra seus interesses nos empregos, rendas e outras vantagens que podem ser auferidas desse processo quase extrativo. Poucos se preocupam mesmo com os dramas que ameaçam a humanidade, resultantes dessa indisciplina dos elementos climáticos que dão vida ao planeta.
Ninguém abre mão dos interesses materiais e, por isso, percepção ambiental ficam aquém do significado amplo e planetário. Aqueles que, de fato, preocupam-se com a questão ambiental tem soluções primárias para a subsistência alimentar da população. Exemplo: “MST faz acordo com a Venezuela para produção de alimentos”. Concomitante os reais produtores são escorraçados por acusações politizadas. A grande fome na China e o Olodomor na Rússia se deram assim. A carência alimentar que bate à porta da Venezuela, de Cuba, da Nicarágua, acena para o Brasil. Mas, segundo explicava Josef Stálin, “A morte de uma pessoa é dramática; de muitos, uma estatística”. Mais de um bilhão de pessoas no mundo são vítimas da fome. As guerras, produzidas doentiamente por meia dúzia de sujeitos, contribuem não apenas para destruir os campos de produção agrícolas, absorvedores também de carbono e reduzir as populações. Não acrescentam nada para a humanidade.
No Brasil omite-se, conscientemente, sobre a decisão de explorar minerais em terras indígenas ou sobre extração de petróleo na foz do rio Amazonas, embora, por antecipação, o governo brasileiro já tenha pedido filiação à OPEP – Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo, aquela que chantageou o mundo nos anos de 1970 elevando o preço do petróleo de 4 a 6 dólares o barril para 40 a 60 dólares e, depois, influenciada pela loucura retórica de Hugo Chávez, da Venezuela, conseguiu , pela redução drástica das exportações do óleo cru, fazer os preços chegar 150 dólares o barril. Agonia para o mundo, e festa para os sheiks, membros dos países da OPEP, que, com esse dinheiro, construíram cidades sobre o mar, garagens para automóveis de luxo nos últimos andares de arranhas céus, sem reduzir a pobreza.
Por aqui, nas acusações contra a garimpagem do ouro e nos rios amazônicos – absorvedora de milhares de desempregados não contabilizados nas estatísticas oficiais – faz-se questão de ignorar a pressão pela exploração do lítio – apelidado já, defensivamente, de “metal verde” – do potássio e metais nobres em território indígena. Há uma visível tentativa de esconder as intenções escusas e as incompetências no campo da gestão pública, acompanhadas por um séquito proletarizado instalado na burocracia de Estado.
Estranho ainda é o fato de que, em pleno período das queimadas, servidores públicos envolvidos profissionalmente com a defesa do meio ambiente, deixem-se envolver num momento desses, por uma discussão, aparentemente, inoportuna sobre salários funcionais, em que se escondem, em exaustivas discussões, políticas praticamente já decididas. Funcionários e trabalhadores qualificados são levados a adotar abandonar convicções e compromissos promovendo em favor de paralizações de atividades, redução da dinâmica funcional, greve tudo que não faz parte direta da questão ambiental.
Ao mesmo tempo, dá para perceber que existe no mundo um grupo de dirigentes de países soberanos – verdadeiras doidivanas – que não está nem aí para a questão ambiental, muito menos apreensivos com as ameaças à vida na terra. O ministro chefe da política externa da Rússia, Sergey Viktorovich Lavrov, numa fala ao plenário da ONU, chegou a expressar o absurdo de que “Ninguém pode vencer um país nuclearizado”. Uma total falta de escrúpulo com relação às mudanças climáticas e às vidas humanas, deixando transparecer a disposição de seu país de alimentar guerras, até com armas atômicas, cuja virtude é destruir tudo (dos outros).
A questão ambiental é superveniente. É de responsabilidade não apenas dos burocratas, mas da sociedade. Independe de ideologia, de partido, de governante. É um compromisso social, uma filosofia de vida. Mas não será resolvida com a criação da tal “autoridade climática”, retórica de olho gordo numa pretensa nova fonte de captação de recursos para projetos ambientais múltiplos. O Brasil vai tentar introduzir sua proposta, como um “jabuti”, durante a COP-30, em Belém do Pará, no ano que vem, já que a credibilidade externa do governo brasileiro está em baixa entre os pares.
Pois é isso, tanto parecem predatórias as intenções da atual safra de dirigentes políticos – que dizem representar bilhões de cidadãos no planeta – quanto essas negociações corporativas, instigadas por superiores, e voltadas para o próprio umbigo. Não cabe a um servidor, enquadrado em uma carreira típica de Estado, passar o ano discutindo salários e benefícios, enquanto o país pega fogo. Conspurca-se os propósitos da missão pública, adotando ideologias (todas espúrias, porque concentradas em visões particulares de mundo) ou fazendo uso de métodos transplantados do corporativismo, num mundo já governado pela inteligência digital. Politizar, corporativizar ou desqualificar a questão ambiental é contribuir para um suicídio global: não sei se a curto ou a médio prazo.
Os protagonistas já não estarão por aqui. Será o legado desses heróis de hoje para as gerações que ainda virão, se vierem, e que, provavelmente, serão rebatizados como vilões.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural, ex-guarda florestal do Parque Nacional de Brasília Vive em Brasília. Autor de “Pinguela: a maldição do Vice”. Brasília: Otimismo, 2018
Autor, entre outros, de Lanternas Flutuantes:
Português – LANTERNA FLUTUANTES, habitando poeticamente o mundo
Alemão – Schwimmende-laternen-1508 (Ominia Scriptum, Alemanha)
Inglês – Floating Lanterns
Polonês – Pływające latarnie – poetycko zamieszkiwać świat
novo livro de Aylê-Salassiê: TERRITÓRIO LIVRE!