Bets. Por José Horta Manzano
…O tom das críticas não tem um pingo de condescendência pelos que se deixam embalar pelas sereias do marketing das bets. Me lembra antigamente, quando se dava uma esmola e se acompanhava de um: “Mas olha lá, moço, não é pra beber, hein!”…
De ontem para hoje, li artigos de analistas que se indignaram ao saber que os beneficiários do Bolsa Família gastam parte do que recebem em apostas online – ou bets, como convém dizer hoje em dia. São bilhões que escorrem do bolso dos pobres para engordar mansões e festas orgiásticas dos milionários que dominam esse mercado.
Segundo apuraram as autoridades, uns 3 bilhões de reais constituem esse peculiar modelo de transferência de renda pelo avesso: em vez de ir de cá pra lá, vem de lá pra cá. “Pra cá” é força de expressão, naturalmente. O distinto leitor e a graciosa leitora é que não lucram nada com isso.
Me incomoda o fato de esses comentaristas mostrarem indignação em público, com ares de quem bota as mãos na cabeça e aponta um escândalo na sociedade. O tom das críticas não tem um pingo de condescendência pelos que se deixam embalar pelas sereias do marketing das bets. Me lembra antigamente, quando se dava uma esmola e se acompanhava de um: “Mas olha lá, moço, não é pra beber, hein!”.
Se escândalo há, é permitirem que figuras populares apreciadas pelo povo surjam na tevê conclamando as gentes a fazerem uma fezinha new style.
Não acho justo condenar o infeliz que, além de pobre, é ingênuo a ponto de sucumbir ao apelo dos peritos de marketing que, ao final, conseguem surrupiar-lhe uns trocados com a promessa de um mundo de sonhos. A concessão da Bolsa Família já é um ato de cunho paternalístico; não convém acentuar esse paternalismo ao estipular o que deve e o que não deve ser feito dessa esmola.
Acredito que todo dinheiro que se recebe – que venha do trabalho, da aposentadoria, da invalidez ou do Bolsa Família – pertence exclusivamente ao cidadão que o recebe. Desse modo, dito cidadão é livre de despender seu dinheirinho como bem lhe aprouver. Uma vez que o dinheiro esteja sendo gasto em atividades lícitas, não cabe a ninguém reclamar nem criticar.
Se quiserem cortar esse mal pela raiz, a receita é evidente: basta proibir a jogatina. A Paratodos continuará girando e contemplando os que tiverem sorte ao fazer uma fezinha no Jogo do Bicho.
Além disso, essa simpática contravenção, que vem do tempo em que os bichos falavam, nunca levou nenhum jogador à ruína.
________________________
JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
______________________________________________________________
Creio firmemente que no Brasil há mais bet que engarrafadoras de água mineral, e por que seria isto? Simples, não só rende mais como é muito mais fácil constituir e manter uma bet que uma engarrafadora de água mineral.
Olho para esse fenômeno com o espanto de quem sempre acreditou que o bolão da firma provocava o máximo de adrenalina que um apostador podia sentir.
O problema está na origem dos valores do Bolsa-Família: o bolso de quem trabalha. Como disse M. Tatcher: não existe dinheiro público, existe o dinheiro de quem paga tributos.
Seguindo esse raciocínio, também deveriam ser questionadas as despesas de militares, policiais, parlamentares, vereadores, prefeitos e de todos os funcionários públicos, do primeiro ao último, incluindo coveiros e guarda-vidas de praia. Todos recebem dinheiro de quem paga tributos.