A cadeirada. Por José Horta Manzano
… hoje, não houve como escapar. Todos os veículos, sem exceção, deram a notícia da cadeirada que um candidato desferiu sobre a cabeça de outro. Em pleno debate da TV Cultura (!), diante de assistentes e câmeras. O picadeiro-lamaçal evoluiu para arena-sangrenta, o que não deixa de ser singular.
Campanha eleitoral sempre foi, e continua sendo, um picadeiro. Dependendo do espírito do momento, pode ser picadeiro exposto à chuva, transformado em lamaçal. Pode também ser forrado de areia, material escolhido para contrastar com o sangue que aí vai se derramar. Pode ainda ser um tablado revestido de madeira, apto para salamaleques e contradanças elegantes. Esta última opção é menos frequente, convenhamos.
A atual corrida de acesso à cobiçada cadeira de prefeito da cidade de São Paulo tem passado ao largo do velho estilo “salão literário”, onde se trocam ideias e se apresentam propostas para cuidar os problemas da metrópole. Um candidato inesperado conseguiu, sozinho, impor seu tom e seu ritmo à campanha.
Trata-se de um forasteiro, vindo de Goiás. Não é a primeira vez que um candidato de outro estado concorre a esse cargo. Entre outros, o mato-grossense Jânio Quadros, a paraibana Luiza Erundina, o carioca Celso Pitta foram eleitos para o posto de prefeito paulistano. Entre os seis principais nomes da atual campanha, o candidato de nome Marçal é o único não paulista.
Mais que os demais, esse candidato deixa claro que seu maior objetivo não é propriamente assumir o governo da maior cidade do país e melhorar a vida de seus habitantes. Percebe-se que sua intenção é usar seu desempenho nas artes da internet para arrebanhar adeptos e aumentar sua fortuna, já hoje considerável.
Até ontem, estava eu longe de imaginar que viria a comentar fatos da campanha paulistana. Os anos passados longe acabam aumentado a distância física, que já é grande.
Mas hoje, não houve como escapar. Todos os veículos, sem exceção, deram a notícia da cadeirada que um candidato desferiu sobre a cabeça de outro. Em pleno debate da TV Cultura (!), diante de assistentes e câmeras. O picadeiro-lamaçal evoluiu para arena-sangrenta, o que não deixa de ser singular.
Em política, já se tinham visto tiros, tapas, bolos de chantilly, explosões, pedradas, facadas. Cadeirada, que eu me lembre, é a primeira vez no Brasil. Quem disse que o brasileiro não é um povo imaginativo?
Falando sério agora, a cadeirada do Datena no Marçal é bastante diferente da facada que o Bolsonaro levou ou dos tiros que (quase) “neutralizaram” o Trump. No caso da facada e dos tiros, o agressor não tinha relação pessoal nem estreita com o agredido. Foram, portanto, atentados nitidamente políticos.
Já no caso de ontem, a política passou longe. Aquilo foi briga de bar entre bebuns, depois da terceira cerveja. Marçal atiçou pensando em faturar na internet, e Datena reagiu com o fígado. Foi desavença de cunho estritamente pessoal, mais próxima de bafafá de pátio de escola infantil do que de querela política.
O maior castigo que se poderia dar a esses dois energúmenos seria a inabilitação da candidatura, combinada a uma pena de alguns anos de inelegibilidade.
A população, que apenas deseja escolher o ‘menos pior’ dos candidatos para ser seu prefeito, ficaria agradecida se aqueles dois saíssem de cena.
O cadeirador e o cadeirado.
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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos, dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.
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