DOCE

Doce ilusão voadora. Por Marco Antonio Zanfra

Doce ilusão voadora… não sei por que um beija-flor entraria aqui. Mas entrou. Ele teria três razões para não entrar: um gato, um cachorro e o fato de não ter nenhuma flor aqui dentro. Ia beijar o quê? …

DOCE

Não tenho nenhuma flor dentro de casa. Só um cachorro e um gato. Um cachorro bobalhão, criança ainda. E um gato cheio de más intenções. Então não sei por que um beija-flor entraria aqui. Mas entrou.

Ele teria três razões para não entrar: um gato, um cachorro e o fato de não ter nenhuma flor aqui dentro. Ia beijar o quê?

Mas entrou, como eu disse. E eles, os pássaros, nunca sabem por onde entraram. Nunca voltam pelo caminho por onde entraram. Eles sempre vão em direção à luz, e a luz quase sempre flui de uma janela fechada. Neste caso, ele ficou numa parte mais alta da parede, batendo asas e o bico longo contra uma janela formada por nove tijolos de vidro, que filtravam uma luz convidativa.

Ficou fora do alcance, mas fez barulho suficiente para despertar três pares de olhos atentos: os meus, querendo ser seu anjo salvador; os do cão, curioso para saber o que era aquele pequeno objeto voador; e os do gato, cobiçosos, interessados unicamente num lanchinho.

Amarrei uma sacolinha plástica na ponta de um cabo de vassoura, tomei cuidado para não pisar num cachorro e num gato que estavam tão interessados quanto eu no objeto a ser resgatado, e tentei ensacá-lo com alguns gestos convidativos. Em vão. Ele voava mais para o alto, mantendo ainda contato com a parede translúcida, e ficava fora do alcance da sacolinha salvadora.

Mas, cansado, ele acabou desabando duas vezes, e eu tive de correr para arrancá-lo da boca do gato. Ele reagia e acabava voando novamente para sua janela, inacessível e inexpugnável. Até que, esgotado, agarrou-se firmemente com as patinhas no plástico da sacola e eu consegui, cuidadosamente e após dez minutos de lida, colocá-lo para fora por uma janela. Nem obrigado disse, o ingrato.

E ainda tive de encarar o cachorro e o gato, que ficaram olhando para mim com cara de decepção.

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MARCO ZANFRA

Marco Antonio Zanfra  – Nasceu em São Paulo. Escritor e Jornalista, formado pela Faculdade Cásper Líbero em 1977. Foi repórter por vinte e cinco anos, quinze deles cobrindo a área policial. É casado e pai de duas filhas. Mora atualmente em Florianópolis.
Suas publicações:
.Manual do Repórter de PolíciaAs covas gêmeasA rosa no aquário

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